
O segundo dia do Fusing começou com um concerto surpreendente dos Salto: talvez possamos dizer que foi “A” surpresa do festival, o que não é de importância reduzida quando falamos de uma banda que já atingiu uma popularidade e um estatuto que os torna uma certeza da pop lusa. Mas pela sua música ser amplamente conhecida e o concerto ter sido surpreendente é que terá sido dos mais relevantes do festival.
Os Salto do primeiro disco faziam um pop-rock dançável, com canções orelhudas e cantaroláveis. E eles apresentaram algumas dessas canções: Deixar cair, O teu par, Não vês futebol, Saber ser, etc, embora aqui e ali apresentadas com arranjos ligeiramente diferentes (e que já deixavam antever uma maior ambição da banda). Mas o que poucos esperavam – conhecendo melhor ou pior o anterior disco dos Salto – era os temas que sairão no próximo, e que a banda apresentou hoje.
Com a carga instrumental a ganhar muito mais peso, as novas canções são algo que dificilmente poderíamos esperar dos Salto: mais que canções bem trabalhadas num registo indie-rock/pop-rock, ouvi-mo-los em modo alucinado: longas jams com os músicos completamente imersos na música, autênticas viagens por territórios desconhecidos oferecidas a um público que acabou a entrar numa viagem para a qual nem sequer tirou bilhete e samples hipnóticos utilizados para uma festa interdita a meninos.
E a festa foi total: entre as adolescentes efusivas da primeira fila que dançavam freneticamente ao som das canções mais conhecidas e os restantes fãs da banda que se abanavam vigorosamente ao som destas viagens espaciais, houve espaço para os parabéns a Luís Montenegro (membro dos Salto) cantados em coro pelo público, para a entrada em cena de Francisco Ferreira (teclista dos Capitão Fausto) – que participou num tema – e para confetis lançados por Guilherme Ribeiro. A festa foi, portanto, dupla: a real e a frenética, esta última como prenda musical oferecida pela banda em data de aniversário.
Nunca um palco neste festival viu luzes tão carregadas nas costas dos artistas. As faces de cada membro dos peixes:avião, apesar de expostas, eram irreconhecíveis a quem ali assistia ao concerto que, para alguns, era uma surpresa. E não foi por acaso. Os sons soados eram o foco que aquele quinteto queria promover. Canções de abanar o corpo sempre cabisbaixo, numa droga digital que se consome nos ouvidos. Era impossível, a quem estava próximo do perímetro do palco Fusing, ficar indiferente ao que saia do sistema de som. As canções eram dotadas de uma cama repleta de barulhos sincronizados que era suavizada por uns lençóis de melodia arpejada pelo reverb das guitarras. Pele e Osso foi cantado e Ecos foi dançado, mas tais canções foram excepções num concerto maioritariamente espacial.
Perante tal estranheza, a definição de corresponder deixou de ser palmas e refrões cantados. Ali o fechar de olhos, balancear e levitação mental era a maior correspondência à atitude quase shoegaze dos peixe:avião. Nem mesmo a pouca adesão, tendo em conta a presença no palco principal, estragou aquilo que foi uma viagem transcendental a um imaginário sonoro a pouco ortodoxo. Só as costas estavam iluminadas sim, mas foi na sombra dos peixe:avião que se ecoou uma noite memorável.
O brasileiro Cícero subia ao palco Fusing por volta das 23h30 e consigo trouxe uma música que, se o Verão ainda fosse Verão, teria feito todo o sentido nesta altura: despreocupada, solar, veranil. O música sul-americano deparou-se com um Agosto frio mas um público interessado e muito receptivo, dando um concerto bem conseguido e sobretudo muito constante.
Conseguido gerir bem a oscilação entre momentos mais arrastados e leves e outros um pouco mais explosivos, este brasileiro é sobretudo um jovem escritor de canções com grande sentido pop mas sem ceder ao facilitismo na composição – e conseguiu transpô-lo em palco com a ajuda da banda que o soube acompanhar muito bem nesta gentil e letárgica viagem ao sol e tropicalismo brasileiro.
Coube aos portugueses Capitão Fausto o encerramento do palco principal neste segundo dia do Fusing – e a festa dos lisboetas foi impressionante. Tocando muitas canções do seu primeiro disco Gazela, recordaram-nos que, apesar de Pesar o Sol ser bastante melhor, é nele que têm algumas das suas boas malhas com maior sentido pop: «Verdade», «Febre» e «Santa Ana» foram alguns dos momentos de maior comunhão entre a banda e o público, com a larga maioria da plateia a dançar e cantarolar as suas festivas canções rock.
Entre a substituição de Domingos Coimbra, baixista da banda (que passou a bailarino, pelo aniversariante Luís Montenegro dos Salto num dos temas e os ritmos kizombados cantados pelo teclista Francisco Ferreira num momento de pausa do grupo, a banda mostrou-se sempre desinibida, descomplexada e humorada.
O resto (e o resto inclui canções como «Nunca Faço nem Metade», «Litoral», «Flores do Mal» e «Ideias») foi os Capitão Fausto a mostrar que aquilo que fizeram no último disco é brilhantemente transposto para os palcos. As novas canções são a banda a dar asas à sua juventude, à sua criatividade e às suas viagens interiores. Com um registo menos dançável e menos acessível, a sua música vai a mais sítios: as canções são mais longas e ouve-se um pouco de tudo: momentos contidos, momentos arrastados, momentos explosivos e jams espaciais. A dada altura o vocalista e guitarrista Tomás Wallenstein atira-se ao chão, continuando a tocar deitado, e nada soa forçado nem pensado: é antes o retrato de um conjunto de jovens rapazes que querem, mais que qualquer outra coisa, tocar o máximo que puderem e entrar numa trip musical em conjunto. Do psicadelismo pop ao psicadelismo rock, os Capitão Fausto e o seu rock apaixonado e desvairado deram “O” concerto da noite.
Seguem-se este sábado os concertos de um quarteto de luxo: Fachada, Dead Combo, Paus e Legendary Tigerman.
Texto de Gonçalo Correia e Alexandre Malhado
Fotos de Alexandre Malhado