
Bom peixe, praias e «can I put a cream on “yous”» — o Algarve tem sido, de há muito para cá, injustamente reconhecido apenas por estas coisas. Toda a beleza natural com que esta terra foi abençoada ofuscou um panorama cultural que até é bastante rico — é verdade, já viram? Seja por falta de interesse, falta de apoio ou falta de planeamento cuidado, a verdade é que, além do Festival MED e das celebrações do Moto Clube de Faro, poucas são as iniciativas culturais que chegam aos olhos e ouvidos do resto do país.
Aos poucos, cada vez mais iniciativas têm nascido, dando, muito devagar, os sempre frágeis primeiros passos. Associações como a de Músicos de Faro, por exemplo, continuam a lutar contra tudo e todos para dar um pouco mais de brilho à sua região, fora daquele que já têm vindo do mar. Neste ano foi diferente.
Numa valorosa (e arrisco, corajosa) iniciativa da Câmara Municipal de Faro, nasceu o Festival F, uma festival que, tomando de assalto a zona central da parte velha da cidade, veio trazer música nova e, mais importante ainda, música portuguesa. Com a duração de dois dias e contando com um cartaz que balançava alguns dos nomes maiores da música nacional com outros menos badalados mas oriundos da localidade, o Festival F juntou famílias, comida, boa música, divertimento e… vida.
DIA 1:
O primeiro dia foi uma incógnita: não sabíamos o que iríamos encontrar. Por entre praças grandes, claustros e ruelas estreitas fomos conhecendo o terreno de jogo e todas as suas bancas de artesanato, restaurantes e palcos. Havia vários, cinco, para ser exacto, todos bem organizados de modo a receber os nomes que mais se adequavam ao ambiente que os rodeava. O primeiro concerto que vimos foi do algarvio Nanook. Numa mistura hermafrodita de rock, blues e pop rock, embalou um fim de tarde agradável, sempre com um sorriso e uma história engraçada para contar — via-se que jogava em casa. Próximo na lista foi JP Simões, o maior aspirante de Tom Jobim que existe em Portugal. Sem grandes destaques nem rasgos, deu uma prestação tranquila, agradável, soltando sorrisos das pessoas que já se juntavam em maior número um pouco por todo o recinto. De seguida teríamos um dos nomes grandes do festival a tocar no palco maior: Dead Combo.
No registo a que já nos habituaram, Pedro Gonçalves e Tó Trips deram uma valente lição daquilo que é tocar com garra. É verdade que nunca podem inovar muito, sair do padrão, e que já foram várias vezes acusados de «fazer sempre a mesma coisa», mas aquela música não cansa. Cheia, rica e com um coice valente, abriram o apetite de quem ainda não se tinha enchido de coragem para enfrentar as gigantescas filas da zona de restauração. Estava dado o primeiro grande concerto do Festival F.

Os The Black Mamba vieram para sobremesa mas, como sempre, há qualquer coisa neles que parece não funcionar. Como aquelas taças de doce da avó que toda a tasca que se preze tem: enchem, mas não saciam. Uma pena, potencial não falta. No palco mais resguardado e intimista, Samuel Úria ofereceu-nos um concerto calminho em modo acústico. Munido de duas guitarras e um banjo, fez o que sabe fazer, cantar-nos histórias e vidas num registo vocal harmonioso e bastante versátil. Mas podia ter arriscado um bocadinho mais.
De volta ao palco principal, chegava o segundo grande concerto do Festival F: The Legendary Tigerman.
Paulo Furtado não é nenhum analfabeto do rock clássico com cheirinho a blues, nunca o foi. Com disco novo na algibeira, girou-o sem preconceito a par de alguns temas mais antigos (bons velhos tempos do Femina). As voltas que tem dado no estrangeiro estão a funcionar bem para o autor e a sua presença de palco (sempre foi bastante eléctrica): Furtado deixou tudo o que havia para deixar entre um infinito número de micros, sintetizadores, guitarras e bombos. Voltaico e cheio de energia, nem se notou que tinha chegado nessa madrugada de Berlim. Acabou o concerto em cima da bateria do igualmente grande Paulo Segadães, encharcado em suor e aplausos. Muito bom. Para quem gosta de música, a noite estava feita; para quem não lhe liga muito, houve DJ set de Diego Miranda.

DIA 2:
Estávamos de regresso para mais festival. O primeiro dia tinha sido agradável, restava ver se o segundo lhe faria jus. O primeiro concerto que vimos foi o da Luísa Sobral. Incrível, a rapariga… ainda por cima tem músicas engraçadas. Muito doce e com uma voz terna, trouxe música suave ao início da noite. (Luísa, se acabares por ler isto, já sabes, tens aqui um fã especial, mais fofinho…) Estava na altura de mais música com sabor a lingueirão e laranja.

Os Nome foram a banda que se seguiu, e, se era preciso provas de que há potencial nesta bonita terra, estas estão aí. Não estamos a falar dos próximos Animal Collective nem os sósias dos Gorillaz, mas esta malta tem o que é preciso para singrar. Esgotaram o Palco Museu. Donos de um pop rock contagiante, enérgico, deixaram muito boa imagem. Houve Tiago Bettencourt, depois, mas não quisemos saber. Fomos antes ver Capicua.
Mais uma performace sólida da rapper nortenha, onde Sereia Louca foi o prato principal, mas que se fez acompanhar por um bocadinho de primeiro álbum e um sortido de mixtapes. Destaque para o DJ que acompanha Ana Matos: espetacular, amigo. Pausa para comer uma deliciosa pizza feita na hora, tudo para ganhar estofo para o último grande concerto do Festival F: Capitão Fausto.
A turma lisboeta, que actuava pela primeira vez em solo algarviou, entrou, esteve e saiu a rasgar. Sempre enérgicos na sua distorção alucinada e teclados lunares, encheram as medidas da composta multidão que se juntou para os ver. Quase uma hora e meia de concerto, com um pequeno intervalo para dar a cada membro um cheirinho a solo. De novo, muito bom. E estava feito.

Ao voltar para casa, sorrisos e palavras contentes cruzaram-se várias vezes connosco. O Festival F foi um sucesso. Dentro dos limites que qualquer evento deste género tem inerentes ao local da realização, a organização, ainda com peças por olear, respondeu muito bem. Hoje em dia o que vende um festival, mais que as bandas ou iniciativas que o preenchem, é o conceito subliminar que o envolve: Coura tem o rio e o arvoredo, o Milhões a piscina, o Alive! os nomes grandes e o Primavera os hipsters. Achamos que esse foi o único degrau que ficou por subir: falta uma ideia base que o envolva num laço bonito. O ir vila dentro é um princípio, mas precisa de melhorar, para não se tornar em algo parecido a uma feira medieval com música ao vivo que não vem de alaúdes ou harpas. Tirando isso, deixamos os nossos sinceros parabéns. Excelente iniciativa que promove não só a região e as suas gentes, mas também, claro está, a música portuguesa. Ficamos à vossa espera para o ano.
Texto e fotos: Diogo Lopes