
Fazia nevoeiro. Os mais curiosos reparavam que tínhamos chegado à altura do ano em que o nosso bafo se tornava visível. A fila era grande, à porta do Maxime Sur Mer, e anunciava sala cheia. Ao entrar, tal facto era-nos comprovado.
As primeiras notas que B Fachada tocaria ao piano – sem qualquer amplificação do instrumento ou da voz – seriam as da sua “Afro-Xula”. Não lhe valia de nada o microfone, já que a saudosa e entusiasmada voz do público ultrapassava todos os decibéis possíveis. Como velhos amigos, Fachada e o seu público cantaram e sorriram como numa reunião de familiares que há muito não se viam. A braguesa, que sobre o piano repousava, era acordada para “Mano”, essa canção feita de leite e mel. E como todo o yin precisa de um yang, também o “Mano” precisava da “Mana”. Mas o tio B fez questão de nos relembrar que aquele não era um concerto só seu. Cantou-nos “Branca”, anunciando a chegada das suas autoras – as Pega Monstro.
Também o duo lisboeta cantou a sua canção, com a roupagem eléctrica original, quebrando qualquer placidez que Fachada pudesse ter instalado no salão. Sem um segundo de paragem, irrompiam pelas colunas fora com “Braço de Ferro”, canção de abertura do fresquinho Alfarroba. Pega Monstro davam-nos saudades do punk, que refrescavam com mestria e juventude, dando razão ao crowdsurf e a todas as manifestações joviais de adrenalina de indução musical. A efusão era total e avassaladora, começando o público a ter dificuldade em escrutinar sons, sensações e estímulos visuais. “Não Consegues”, cantavam as duas meninas. As vozes que ouvíamos em redor, entrelaçadas com as de Júlia e Maria – que entoavam um ohm eterno e etéreo -, diziam frases de admiração como “Parecem musas psicadélicas!” ou lembravam-nos as parecenças dessa feminilidade aquática com Best Coast. As hostes acalmavam em ritmo – mas nunca no fervilhar de emoções – com a versão sentida de “Responso para maridos transviados”, original de B Fachada. A distorção parecia não ter fim, por entre as canções que as duas irmãs nos foram cantando, mas eis que chegava a vez do seu padrinho entrar em palco.
Fazendo a ligação mais uma vez, Bernardo Fachada lembrou o sabor de “Pall Mall” (Pega Monstro), convidando-nos a partilhá-lo com ele em “Quem Quer Fumar com o B Fachada” – altura em que, obviamente, do público saiu mais fumo. Logo a seguir, no meio das cumplicidades a que já nos habituou, tocou-nos de enfiada as fascinantes canções do seu terceiro disco homónimo. “Camuflado”, “Dá Mais Música à Bófia”, “Crus”, “Pifarinho” e “Já o Tempo se Habitua” – versão de Zeca Afonso -, traziam os Santos Populares e os cravos de Abril a Novembro, numa miscelânea incrível de portuguesices e intervenção. Quase no fim, trouxe-nos a “Boa Nova”, imediatamente antes de nos relembrar que de pequenino se torce o pepino – e que a luta começa na infância –, com “Tó Zé” tocada ao piano. Grande parte do trabalho de cantar, mais uma vez, coube ao público, que o aplaudiu fervorosamente. Depois de erguer um pirete aos céus, Fachada agradeceu a “paciência” do público com um simples e sincero “Obrigado”. O prazer, como sempre, foi nosso.
Fotos: Francisco Fidalgo