
As noites Black Balloon começam a ser já uma tradição. Na vigésima encarnação da festa, o destaque da noite ia para os Riding Pânico, que tocariam na íntegra a aclamada composição «Autobahn», dos seminais Kraftwerk, retirada do disco com o mesmo nome. Mas, antes, ainda teríamos o prazer de ouvir e ver dois recentes projectos.
Às 23h em ponto, entravam em palco os PISTA. Banda polivalente dentro do formato guitarra-guitarra-bateria, trouxeram-nos tanto math rock quanto distorção bem tropical e solarenga – só faltaram búzios e conquilhas. O seu canto jovial e promíscuo tomou forma nas canções «Puxa», «Pista» – palavras que, repetidas várias vezes, se assemelham muito ao ritmo clássico do kraut, o motorik -, outras retiradas do EP de estreia e restantes possivelmente constituintes do álbum que virá ainda este ano. Os sons que ouvimos iam desde a África de Graceland (Paul Simon) cheia de garra e fuzz a uns Neu! inundados de mais guitarras distorcidas. Banda a ter em atenção, para bater o pé, mas ainda em estado muito embrionário – um baixo também não lhes fazia mal. Próximo.
Jibóia. Óscar Silva trouxe-nos a sua única combinação de samplers e guitarras dementes, sem medo de os polvilhar com uma dose desmedida de caril. Ana Miró (Sequin), nas canções de Badlav, tornou-se na flauta que enfeitiçava a Jibóia e quem assistia ao concerto, ajudando o colega de profissão a percorrer as quatro idades do ciclo manvantárico: «Satya Yuga», «Treta Yuga», «Dvapara Yuga» e «Kali Yuga». Danças serpenteantes – ou jiboiantes -, arabescos de mãos sem fim, escalas de notas que tornaram líquidos os cérebros corroídos do prazer do psicadelismo mais lisérgico e forte que se pôde ter na noite passada. A certo ponto, também Óscar Silva não temeu em pegar no microfone, domar o teclado e transformar a sua actuação em algo como as de Omar Souleyman – delirante.
A névoa de fumo sobre as luzes azuis adicionava uma camada ainda mais mística a tudo aquilo que estava a acontecer em pleno palco. Jibóia terminava o seu inacreditável concerto, para dar lugar às estrelas da noite: os Riding Pânico.
As primeiras sílabas, da boca de Shela (João Pereira), traziam o que todos tinham vindo para ouvir. «Aaaaautoooooobaaaaaaaaaahn» repetido várias vezes, apenas para fazer a cama para o baixo fortíssimo de Makoto Yagyu. O tema começava a compôr-se, com a entrada de teclados, guitarras e a bateria certinha de Miguel Abelaira, recente contratação da banda lisboeta, importado do duo Quelle Dead Gazelle.
Aquela que à partida não parecia ser a banda certa para homenagear os Kraftwerk rapidamente mostrou que tinha estofo para a missão de renovar a obra-prima do krautrock. Em palco, a celebração era grande, com felicidade na cara dos membros todos, assim que acabavam com sucesso a primeira metade do tema e seguiam para as suas próprias canções. Ouviu-se a parede sonora de «E se a Bela Fosse o Monstro», o baixo sedutor de «Monge Mau», o forte single «Dance Hall» e outras faixas já conhecidas dos que de perto têm acompanhado a evolução de uma das bandas de pós-rock mais interessantes e originais da actualidade. No fim, ouvimos um já acelerado e cheio de distorção final de «Autobahn», personalizado à bruta e bem.
Soube-nos a pouco, no que tocou a «Autobahn»: queríamos o disco inteiro em forma de remake refrescante, que os Riding Pânico souberam tão bem fazer com a primeira faixa. Mas não se pode ter tudo – e poder ouvi-los só por si já foi bom.
Fotos: Francisco Fidalgo