Dos dedos de Clementine verteu a primeira canção para o piano, “Gone”. Não existirá, porventura, melhor verbo que verter? Tratar-se-á o homem de uma fonte? Oxalá tivesse melhor verbo em minha posse, mas este é o único possível: as suas mãos no teclado como que cascata numa lagoa. A sinergia entre este jovem músico e o seu piano eram de arrepiar, estando o espectador ciente de que quem via tocar era auto-didacta (um facto) ou não: entre grandes acordes pesarosos retumbantemente emocionais (nunca lamechas: isto é emoção pura e dura; é alma, tripas e coração num teclado bicromático) e mudanças de velocidade imprevisíveis, o homem é de facto um prodígio.
A sua voz, centelha única de talento incomparável que ilumina poucos em cada geração: qualquer nota filtrada por si soa a cancioneiro intemporal. Homem de todos os registos, dono de uma voz equiparável aos grandes da soul (será ele o herdeiro de Nina Simone?), teatral e incrivelmente expressivo, Benjamin Clementine é um portento. Para onde foi Mr. Clementine durante o refrão de “St.-Clementine-On-Tea-And-Crossaints” (prolongado a 5 minutos em concerto, empalidecendo a versão de 1:30 do álbum)? Em palco só uma hárpia descontrolada cujos agudos fariam tremer Björk e Kate Bush correr pelo seu dinheiro. Capaz do mais gutural grave ao mais sibilante agudo, o recém-premiado com o Mercury Prize deu razões para o Teatro Aveirense estar esgotado.
O talentoso baterista Alexi Bossard, único músico que acompanhava Benjamin naquela noite, ao fulminar electricamente as suas peles, pratos e bombos, exaltou e muito expôs a emoção crua das canções de At Least For Now, dotando-as de uma qualidade rock que lhes assenta muito bem em concerto (destaca-se “London” e “Condolence”). Dois homens iluminados por dois holofotes, nada de adereços – só a música. Música essa que, desprovida dos violinos xaroposos e outros artifícios de estúdio presentes no primeiro álbum (o único de Clementine), ganha dimensão, tornando-se titânica. Quanto menos adornos mais se evidencia a qualidade destas canções, mais podemos verificar que Clementine precisa apenas do seu piano para nos espantar, para dar a conhecer o seu génio na totalidade.
Finalizando com uma interpretação fulgurante da sua “I Won’t Complain”, Benjamin deixou o palco com uma postura humilde, sem grandes discursos, atitude que manteve ao longo do concerto, apesar do louvor gigantesco que recebia findo cada tema.
Certamente uma promessa nos seus verdes 26 anos, Clementine deixa a salivar para novos registos discográficos. Mas em palco, já não há dúvidas: é um dos grandes.