Acompanhando a histeria que apenas os cinco meninos-prodígio do rock alternativo britânico conseguem semear nos melómanos da era digital, surgiram, aos molhos, as mais variadas críticas e análises do nono disco do projeto, e, naturalmente, elogios martelados furiosamente nos teclados – incluindo uma comparação que se repetiu frequentemente e que não deixa de ser curiosa: “são os Beatles do século XXI.”
Fala-se, claro, de Radiohead. Já contam com mais de trinta anos de carreira, longevidade que, em casos normais, lhes colaria na testa um autocolante de fora de prazo, num mundo que se mexe vertiginosamente, onde chovem novos discos de novas bandas todos os dias, onde a única hipótese de sobrevivência dos velhos é aliarem-se aos novos, multiplicarem-se em resmas de projetos laterais, morrerem mortes escandalosas de capa de jornal, inventarem concertos em estilo de reunião onde revisitam as grandes malhas a meio-gás. Mas é preciso saber que, quando se fala de Radiohead, não se fala de nenhum caso normal. Fala-se de trinta anos de reinvenção constante, de troca de sabores sem nunca despir o que lhes tornara eles próprios, de um acompanhar certeiro das tendências sem nunca soar desesperado, mantendo-se atuais quase sem querer. Serão os Beatles do século XXI? A comparação é confusa – os universos não podiam ser mais distantes. Mas uma coisa é certa: o que falta aos Radiohead em carisma de pastilha elástica, substituem por uma habilidade que muitos desejam e poucos conseguem de nunca cair no enfadonho, no desnecessário, no repetitivo, enfim, na liga dos outros velhos. Perder as estribas por um novo disco de Radiohead em 2016 não é criminoso – é um fenómeno perfeitamente normal ao qual se assistiu durante toda a semana que antecedeu ao lançamento de A Moon Shaped Pool. Não tem mal nenhum. Thom Yorke e companhia conquistam cada geração que por eles passa, hoje e sempre, porque nunca precisam de realmente tentar.
Em A Moon Shaped Pool, regressa-se ao passado sem sair do lugar onde estamos. Ao contrário do seu último disco, The King of Limbs, de 2011, o gosto pelo mundo do eletrónico tribalista que puxa pela dança em espasmos fica arrumado na gaveta. Vê-se trocado por ares mais humanos e crescidos, de fato e gravata, de pasta na mão, onze faixas desenhadas por um ambiente melancólico mas arrojado, meticuloso mas direto. Tudo ao qual nos já haviam habituado, mas com novos truques.
É um regresso ao instrumento que muitas vezes traz à memória recordações de um Hail to the Thief ou até um mais recente In Rainbows – se é Thom Yorke e a sua voz inconfundível de coração nas cordas vocais a dar a cara, o verdadeiro herói do disco acaba por ser Jonny Greenwood, figura por detrás dos arranjos orquestrais imponentes que enchem faixas como o já celebrado single “Burn The Witch”, “Glass Eyes” (que evoca paisagens nubladas e cabelos ao vento a preencher um ecrã de Malick) ou “The Numbers”. Os regressos em A Moon Shaped Pool são vários: a maior parte das faixas já ganhava pó na prateleira (“Burn The Witch” data de 2000, por exemplo), sendo talvez o exemplo mais notável “True Love Waits”. A melodia tristonha e crua de amores desencontrados nascera há mais de vinte anos, e já conhecia palcos nas cordas da guitarra de Thom Yorke: aqui, é levantada da estante, passada por água, colocada no tabuleiro, e reconstruída habilmente sob uma linha de piano taciturna que acompanha a voz de Yorke, que nunca perdeu a capacidade de nos esmagar contra o chão, enquanto ele implora: “just don’t leave, don’t leave.”
Os Radiohead já não têm mais nada a crescer porque começaram já crescidos. Tinham era de provar que não envelheciam, ou que pelo menos não envelheciam para longe: mas, materializando suspiros de alívio de fãs velhos e novos um pouco por toda a parte, A Moon Shaped Pool prova que os Radiohead envelhecem sem nunca se esmorecer, como tulipas em jarros. Porque, ao contrário dos Beatles, que meteram todas as cartas em cima da mesa ao mesmo tempo para embaterem contra um precipício musical ao fim de dez anos, os Radiohead usam os seus truques com perícia, mantendo em seu redor uma aura de mistério que não nos permite saber o que farão a seguir – mas nunca deixamos de acreditar que será melhor que suficiente. Mantendo a sua fórmula de sempre – misturando ideias monstruosas com caminhos fáceis de percorrer, dando cada um dos cinco o seu contributo em medida perfeita, resultando numa receita infalível na qual todos os ingredientes encaixam com facilidade – os Radiohead continuam a ser a banda que nunca conseguirá mandar uma ao lado. E isso talvez seja melhor do que ser os Beatles de qualquer altura.
Os Beatles do século XXI não creio. Compreendo mais serem os Pink Floyd do século XXI. Antes da espiral descendente.