Canção do dia

“Purple Haze” – The Jimi Hendrix Experience

Num dos momentos que caracterizou a descida aos infernos da tripulação do navio comandado pelo actor Martin Sheen no filme “Apocalypse Now”, uma das personagens despoleta uma granada de fumo. E em profunda loucura, grita “Hey, Purple Haze!”, já que a fumarada que invadia o barco era de facto púrpura. Entre berros e olhares siderados, o Vietname de Coppola transformava-se numa demoníaca experiência psicadélica, uma guerra travada por jovens salvos apenas pelo rock n’ roll, mas deixando tudo o resto no campo de batalha. Numa cena mais inicial, a tripulação bem mais sã, vibra com “I Can’t Get No Satisfaction” dos Rolling Stones, tema que então passava na rádio, para delírio dos ocupantes do pequeno navio de guerra. Mas é com a deixa do soldado a gritar “Purple Haze”, que a linguagem do rock se mostra bem entranhada, demonstrando que os novos mundos do psicadelismo e dos músicos que propagavam o Verão do Amor, saltava fronteiras e cuja mensagem de facto conseguia chegar aos jovens, lá longe, que lutavam por causas perdidas.

Apesar da música de Jimi Hendrix não passar no momento em que o fumo púrpura se espalha pelo rio, poucos segundos antes de um ataque repentino e brutal, a verdade é que a faixa começa logo a entoar na nossa cabeça, quase como se ouvíssemos os acordes revolucionários da guitarra de Hendrix. Bem assente no blues, já com nuances inspiradas por tonalidades orientais e com um processamento de sinal pioneiro, a guitarra de Jimi Hendrix soava em 1967 como nada até então. “Purple Haze” foi o segundo single de Jimi Hendrix Experience.

O grupo constituído por Jimi Hendrix, Noel Redding e Mitch Mitchell estreara-se com o tema “Hey Joe”, que revisitava um popular standard de rock, cuja autoria se atribui a Billy Roberts. A Jimi Hendrix Experience gravou a sua versão em 1966 e como primeiro single, foi a primeira amostra do virtuosismo de Hendrix, mas a anos-luz de toda a sua potencialidade. E daí que pouco depois da sua edição em território britânico, o próprio guitarrista tenha dito em entrevista que aquele era só a primeira gravação do grupo e que nada tinha a haver com tudo o mais que estavam a compor e a gravar.

Quem já tivera a oportunidade de ver Hendrix ao vivo, sabia do que ele estava a falar, mas o grande público nem por isso e e sem grande alarido deixou-se levar pelo som apelativo de “Hey Joe”, tornando a versão do guitarrista a mais famosa de sempre. Mas quando o grupo regressou ao estúdio, com novas ideias musicais, o produtor Chas Chandler ficou boquiaberto quando ouviu pela primeira o riff de Purple Haze. Foi sozinho com Jimi Hendrix para o estúdio e juntos trabalharam intensamente para conseguir um som único de guitarra. Recorreram por isso a novas tecnologias disponíveis em estúdio, como uma unidade Octavia, desenvolvida de propósito para o guitarrista, de forma a recriar uma oitava acima do que o músico estava a tocar. Em estúdio foram desenvolvidos ecos, reverberações, guitarras gravadas e velocidades diferentes e diversas panorâmicas. E após um longo processo, estava criado o som psicadélico e electrizante de Jimi Hendrix e que se tornaria na sua marca definitiva nos discos que editou com a Experience, apesar de continuar a desenvolver sonoridades únicas ao longo da curta mas influente carreira.

O tema saiu como single no Reino Unido a 17 de Março de 1967. E um dia após o concerto mítico de Hendrix no Monterey Pop Festival (sim, esse mesmo em que incendiou a guitarra), a faixa saiu nos Estados Unidos. Foi a 19 de Junho, imediatamente antes do início do Verão do Amor, que os norte-americanos ouviram pela primeira vez “Purple Haze”, para Hendrix uma canção de amor, mas todos os restantes, uma nova visão do mundo, multi-colorido e alimentado a LSD.

O som pioneiro, com as letras sobre esse fumo púrpura que mexia com o cérebro, fez de “Purple Haze” uma verdadeira experiência sónica sem precedentes e por isso mesmo, terá sido escolhida para ser a primeira faixa da versão americana de Are You Experienced, o álbum de estreia de Jimi Hendrix Experience. Daqui para a frente, Jimi Hendrix passou a ser um dos ícones rock dos anos 60, figura de proa do novo som que aos poucos ecoava pelo mundo e que transportava uma forte mensagem utópica de amor e liberdade.