Se é verdade que o rock salva, os Paralamas do Sucesso salvam ainda mais!
Nove de julho, o último dia da edição do Festival Jardins de Marquês, foi marcado pelo rock. Por vezes mais cru, mais punk, mais fm, outras vezes mais pop / rock, como se fazia no tempo áureo do BROCK. Duas bandas a cantar em português, as brasileiras, e uma em inglês, a portuguesa Zanibar Aliens.
Às 19.45 horas em ponto, os históricos roqueiros cariocas dos finais dos anos noventa – Detonautas – trouxeram o seu rock direto e sem rodeios até aos ares de Oeiras. Tico Santa Cruz é um animal de palco. Tem presença e agradará (ele e a banda, naturalmente) a todos os que gostam de Red Hot Chilli Peppers, Silverchair e sonoridades afins. Neles não há artificialismos, antes guitarras desinibidas, altas e estridentes, que só assustam os incautos. No entanto, e desta vez apenas com plateia em pé (algo pouco comum neste Festival) para que melhor se dessem pulos e outras alegrias, foi interessante ver a larga comunidade brasileira presente a entoar a maior parte dos temas tocados. Em Portugal, sobretudo entre os portugueses, os Detonautas não recolhem grande entusiasmo. O desconhecimento é quase sempre determinante nestas coisas. Concerto honesto, com entrega total tanto em palco como no público, os Detonautas fizeram o que deles se esperava. Quando assim é, está tudo certo. “O Dia Que Não Terminou”, do já velhinho disco Roque Marciano (2004), fez com que todos os presentes entrassem num quase delírio, levantando a poeira do recinto. Em “Um Cara de Sorte”, balada típica daquelas sem tempo e sem idade que o rock é capaz de produzir, foi outro momento de grande vibração. Muita gente cantou os versos que Tico Santa Cruz também cantava. Palavras e melodia que entram e ficam com facilidade em cada cabeça: “Hoje eu acordei com uma vontade enorme / De sair e andar sem direção / Sem destino e sem medo da morte” e assim vai… O convidado Vitor Kley cantou “Só Nós 2”, tema de 2023 que fez sucesso no país irmão. Cantou ainda “O Retorno de Saturno”, dos mais bonitos e melódicos temas da banda do Rio. Com “Olhos Certos” deu-se outra pequena loucura coletiva, mas nada como aconteceu com “Outro Lugar”, autêntica explosão de gritos e lágrimas em algumas pessoas ao nosso redor. Terminaram assim. O rock fez a transição da luz do final da tarde para a luz particular que a noite tem em ambientes destes, em que a celebração da música tudo ilumina. Foi bom, sim senhor!

Com todas as atenções viradas para os cabeças de cartaz, os míticos Paralamas do Sucesso, ainda demos um pulinho ao Palco Nortada para vermos e ouvirmos o quinteto de Cascais, Zanibar Aliens. Impossível não nos lembrarmos de Led Zeppelin ou Black Sabbath quando a banda luso-sueca está a atura, salvaguardando as devidas distâncias. Som pesado, embora por vezes em versão mais adocicada, ainda foram capazes de reunir um bom lote de pessoas à frente do palco, que não arredaram pé até ao fim do concerto. Assim mesmo é que se quer. Apresentaram-se como “banda de rock tuga das antigas” e “como poucas”. “Diga uma, diga uma”, referiu Carl Karlsson com piada que essa conhecida expressão sempre confere. Na verdade, se pensarmos sobre o assunto, talvez tenha razão o vocalista. Sem sobressaltos ou exaltações de maior registo, os Zanibar Aliens cumpriram a preceito, naquele registo que lhes é típico. A noite caiu, desta vez sem sombra de vento, mas fresca, a lembrar noites de outono já encostadas ao inverno. O que vale é que ainda é verão.

Os Paralamas do Sucesso é uma das mais históricas bandas do rock brasileiro, formada nos anos oitenta. Começaram sendo um grupo pop/rock, mas foram incorporando novos ritmos e estilos, desde o reggae à juju music, passando, naturalmente, pelo samba. Foram aglutinadores de público e crítica, através de álbuns como Cinema Mudo (1983), O Passo do Lui (1984) e Selvagem? (1986), rebentando com temas como “Melô do Marinheiro”, “A Novidade” e “Alagados”. Sucesso absoluto no Brasil, a banda viveu um terrível revés quando o líder Herbert Vianna sofreu um acidente de ultraleve, a 4 de fevereiro de 2001. Ficou paraplégico e perdeu a mulher na queda desse fatídico voo, no mar de Mangaratiba. Temeu-se pelo fim da banda, mas voltaram mais tarde, para se manterem ativos até hoje. Herbert Vianna (voz e guitarras), Bi Ribeiro (baixo) e João Barone (bateria) são os atuais membros dos Paralamas, os mesmos de sempre, aliás, havendo um período em que foram quarteto. Foi com eles, o trio, que estivemos ontem e foi sen-sa-ci-o-nal!

Abriram com “Vital e Sua Moto” e foi logo a loucura, que se acentuou com “Cinema Mudo” e “Lourinha Bombril”. Cedo se percebeu que o desfile de temas conhecidos ia ser longo, como “Trac Trac”, “Selvagem” (“A polícia apresenta suas armas / Escudos transparentes, cassetetes / Capacetes reluzentes / E a determinação de manter tudo em seu lugar”), maravilha de rock poderoso, certeiro e atual. “Cuide Bem do Seu Amor”, “Aonde Quer Que Eu Vá”, “Lanterna dos Afogados” (tão linda, eterna canção!) que apetece cantar com os “desesperados” que somos todos, num certo sentido, iluminando a “noite longa / pra uma vida curta” que queremos que não seja tão curta assim. Depois, o som malandro de “O Amor Não Sabe Esperar” soube deliciosamente bem, ainda fresca, ao fim de tantos anos. E com a fantástica lua que ontem se podia ver no céu, “La Bella Luna” não poderia faltar no alinhamento. Assim como “O Beco” e “A Novidade”, canção feita em parceria com o mestre Gilberto Gil. O concerto entrava nos seus mais transcendentes momentos. “Melô do Marinheiro” e “Alagados” foram o clímax! “Uma Brasilera” ajudou e “Óculos” foi igualmente incrível!
O encore foi composto por “Perplexo”, “Romance Ideal” (perfeita canção pop) e “Ela Disse Adeus”. Quase a colocar o ponto final no concerto, veio “Caleidoscópio”, cumprindo-se o verso “Pra gente não ter nunca mais que terminar”, pois houve ainda houve tempo para “Meu Erro”, outra histórica e icónica canção. Foi assim que se despediram do palco, depois de um fabuloso concerto de mais de hora e meia de sucessos!
Foram enormes, os Paralamas do Sucesso. Foi excelente a última noite do Festival Jardins do Marquês. Para o ano haverá mais, certamente.
Fotografias de Filipe Feio cedidas pela organização.

















