Entre muitos outros predicados inerentes à qualidade da sua música, os Novos Baianos tiveram este ainda, e da maior importância: foram eles que mantiveram a Tropicália viva durante o período em que Caetano Veloso e Gilberto Gil viveram exilados na Europa, principalmente, e quase sempre, na capital inglesa. Esse espírito tropicalista mantido na arte musical brasileira mais antenada com o progresso foi fundamental para que a memória dos baianos expulsos não caísse no esquecimento, uma vez que os seus mentores estiveram durante largo tempo a milhares de quilómetros de distância do país que viu esse importante movimento nascer. O grupo de Luiz Galvão (o principal mentor intelectual da banda), de Moraes Moreira, Baby Consuelo, Pepeu Gomes, Paulinho Boca de Cantor, entre outros, foi o principal responsável pela continuação e manutenção da contracultura nascida com os tropicalistas, e foi desse mesmo movimento uma das principais bandeiras, tanto pela mistura de géneros musicais (bossa nova, frevo, baião, afoxé, samba e rock n’ roll) como pela postura de vida comunitária que exerceram durante algum tempo, como verdadeiros e autênticos hippies debaixo do sol da Bahia. Durante a sua existência, os Novos Baianos gravaram alguns álbuns antológicos como são exemplos É Ferro na Boneca (1970), Novos Baianos F.C. (1973), Vamos Pro Mundo (1974), entre outros. No entanto, aquele que me parece ser o melhor de todos os momentos pela banda gravados, dá pelo nome de Acabou Chorare, o segundo longa duração, de 1972.
Depois do prometedor disco de estreia, Acabou Chorare revelou muitas canções históricas: “Brasil Pandeiro” (canção do mestre Assis Valente, que abre o disco por sugestão de João Gilberto, grande admirador da banda), “Preta Pretinha” (que aparece duas vezes no disco, primeiramente em versão completa, e depois em forma de vinheta, no final do disco), “Acabou Chorare” (belíssima canção, apenas com a voz de Moraes Moreia e com as cordas do seu violão), “Swing de Campo Grande”, “A Menina Dança”, “Mistério do Planeta”, “Um Bilhete Pra Didi” (poderosíssimo frevo-baião hendrixiano), “Tinindo Trincando” e a festiva “Besta é Tu”, que virou, posteriormente, mania nacional. Todas as canções referidas são as que existem no disco, e não há uma que fique de fora do rótulo de canções históricas. No tempo da gravação do álbum, a banda passava por algumas dificuldades, uma vez que a ideia de uma certa (para não dizer total) marginalidade em relação ao sistema discográfico e comercial da época, era uma espécie de imagem de marca dos Novos Baianos. No entanto, mesmo podendo faltar dinheiro para alimentação, nunca faltou maconha para animar a festa. Sexo, drogas e rock n’ roll sempre na ordem do dia, daí o espírito de comunhão cósmica e sensualidade presentes em todo o disco. Samba e rock, baião e chôro, uma pitada elétrica do endeusado João Gilberto (que, recorde-se, sempre foi o grande mestre eleito para Caetano Veloso), frevo, muita droga e genialidade tropical fazem de Acabou Chorare um dos melhores discos de sempre da MPB. Não haverá, seguramente, amante da música do nosso país irmão que não conheça Acabou Chorare, e que não reconheça nele outra coisa que não mais um marco inultrapassável da música produzida nessa década de 70. Para além das excelentes composições do disco, a mestria instrumental de todo o registo é algo que não pode passar à margem do ouvinte mais distraído. Pepeu Gomes, por exemplo, é arrasador nos seus solos de guitarra. Todo o universo sonoro do disco é superlativo, e a voz de Baby Consuelo, quando aparece, traz uma luminosidade solar que assenta perfeitamente na ideia tropicalista do álbum.
Como tantas outras vezes aconteceu na história da música popular brasileira, a crítica da altura fez vista grossa a Acabou Chorare. Nada que possa espantar, uma vez que outros nomes maiores do panorama émepêbista sofreram do mesmo problema. Raul Seixas, e Walter Franco, por exemplo, também sentiram na pele uma grande indiferença inicial. Com os Novos Baianos a história voltou a repetir-se, mas Acabou Chorare existe para nos lembrar que a excelência não tem tempo nem pressa. Existe, e ponto final.