Houve claros contrastes, no último dia do NOS Alive. Começou de forma serena e terminou em fúria.
Vinda da Irlanda diretamente para o Palco NOS Alive, CMAT abriu a nossa tarde. Senhora de uma bela voz, apresentou-se dizendo que nunca na vida esperou ver tanto sol. E nós, que a vimos de camisola de alças, garantimos que mais para a noite, sofrerá um bom bocado com o escaldão que tinha nos braços e peito. Para além destas particularidades cutâneas, que pouco importância revelam para uma reportagem que se deseja digna, a moça mostrou raça, boas canções, voz fantástica (sim, a repetição é para que se entranhe em vós a ideia), enorme sentido de humor (quando referiu histórias passadas em redes sociais sobre a sua aparência física) e tudo isso contribuiu para que a nossa apreciação do concerto fosse de entusiasmo. Melódicos e ritmados, os temas que ouvimos deram-nos a boa disposição exigida para o terceiro e derradeiro dia do NOS Alive 2025. Boa pop, boa onda, tudo ok.

Um pulo de minutos e pernas em marcha e estávamos em Luís Severo. Em formato voz e viola acústica, as canções foram desfilando no Palco Coreto com a serenidade a que Luís Severo sempre nos habituou. Há uma sonoridade calorosa e triste nas suas canções. Parecem feitas para o fim da tarde, e nem de propósito era para esse instante que avançávamos. O músico descende de uma linha que poderá muito bem ter tido como iniciador o há muito icónico B-Fachada. Foi fazendo o seu caminho, o Luís, não descorando nunca a palavra, a dicção, o verso, a rima trabalhada, o poema que encosta a cabeça às melodias que o vestem a preceito. É tudo de uma suavidade de voo, de uma leveza de pássaro, o que brota de Luís Severo, e talvez por isso, por essa poética tão particular, as últimas frases deste parágrafo parecem ir no mesmo caminho, atingidas por esse bom vírus. Ou, então, é pretensão nossa, quiçá. Se assim for, desculpa, Luís. E obrigado, Luís, pelo concerto da tarde.

“You are now at a Bright Eyes concert”. Era essa a imagem projetada no palco onde atuava a banda americana. Cool indie-rock que soa, por vezes, a The Waterboys. Concerto honesto, sem nada que nos surpreendesse verdadeiramente. O respeito por quem já cá anda desde 1995 fica registado, mas já irão distantes os tempos de Lifted or The Story is in the Soil, Keep Your Ear to the Ground (2002) ou de Fevers and Mirrors, de dois anos anos. É assim, a vida. Do que vimos, tirámos proveito.
Na conferência de imprensa do último dia do Festival (obrigatória, nestas ocasiões) foi dada a notícia de que os Buraka Som Sistema serão os grandes cabeças de cartaz do NOS Alive do próximo ano, num concerto comemorativo e exclusivo em Portugal dos vinte anos de carreira da banda. O Festival acontecerá nos dias 9, 10 e 11 de julho. Tomem lá nota, então.

Atrasos no jantar, porque quem escreve e vê precisa de combustível gástrico, impediram-nós de assistir à menina Amyl and the Sniffers. Uma pena, porque rock mateiro e gingão em sobre carga elétrica ajuda a digerir calorias, líquidas e sólidas. Fica a promessa: numa próxima oportunidade, lá estaremos.
Depois, lá teria de ser, assistimos a Muse de varanda. De onde estávamos, havia uma considerável multidão até ao palco, onde os rapazes de Devon (na verdade, já não tão rapazes assim) davam o litro para que a festa em tons de glória acontecesse. Tudo é pretensiosamente imponente, mas a grandeza arcaica e sublimada esgota-se em si mesma, e já não cheira a novo ou significativo. No entanto, sabemos bem que a música (não apenas a dos Muse, mas a música em geral) vive de nostalgias que vão e regressam, a espaços. Os Muse viverão disso, de um tempo em que terão sido importantes. Aceitamos isso, da mesma maneira que terá de se aceitar o contrário. Neste caso, é em contramão que vamos, na esperança que não nos passem uma pesada multa de surdez seletiva. Íamos em “Stockholm Syndrome” e continuava a amontuar-se gente para ouvir a voz de Matthew Bellamy, que pouco se percebe o que diz, na verdade. Mas tudo bem, aos outros o que é dos outros. Houve muita gente, muita gente mesmo, a gostar e isso é o que se aproveita dos festivais. A beleza das coisas reside na capacidade de as entendermos. Com Muse, somos incapazes. Fica feita a confissão. Que o deus da música nos absolva de culpas maiores.
Na ementa, já que há pouco se falou em jantar, tínhamos Foster The People logo a seguir. Se não os conhecermos, a voz de Mark Foster pode fazer-nos franzir o sobrolho. Indie pop-rock com sabor a funk (quem estava ao nosso lado lembrou-se, e bem de Prince), é isso que fazem os americanos de Los Angeles, Califórnia. Hits com garra e momentos um pouco mais tranquilo e nostálgico, esses são os ingredientes básicos da refeição sonora que nos serviram. Há, no entanto, um lastro maior que pulsa, que convida à dança e que vai permanecendo. São animados e animaram. Depois do nosso desajuste com Muse, não nos pareceu mal os momentos passados no palco da cerveja que nele bebemos. E como há quem nos leia, aqui vai um brinde à vossa saúde.

Os Nine Inch Nails fazem música há já muitos anos. Desde 1988 que andam nestas andanças, sem paragens de relevo e contam, mais coisa menos coisa, com dezena e meia de álbuns de estúdio. Fizeram história e caminho até ao estrelato da música mais alternativa, do rock duro e industrial. Para os mais esquecidos, há que recordar que David Bowie referenciou a música e importância da banda, comparando-os aos Velvet Underground. O que a nós parece uma declaração absurda, não pareceu ao génio que fez de Ziggy um amigo do peito muito lá de casa. Mas uma coisa é certa: os álbuns Outside (1995) e Earthling (1997) devem alguma coisa aos NIN. Para mais, Trent Reznor foi considerado, há já algum tempo, uma incontornável figura do mundo da música. Como apresentação, estamos conversados. No entanto, e no que à atualidade diz respeito, o som dos NIN perdeu importância, o que é natural e aceitável. A longevidade parece trazer em si mesma a raiz que lhe retira vitalidade e relevo. A lei da vida confunde-se, muitas vezes, com a lei da música. Quanto ao concerto, começaram com “Somewhat Damaged” (as coincidências trazem ironias inesperadas, não é verdade?, sobretudo se tivermos em conta o que leram nas linhas anteriores) e prosseguiram dando maior destaque inicial ao álbum de 1994, The Downward Spiral, através de temas como “Heresy”, “March of the Pigs”, “Mr Self Destruct”, “Piggy” e “Reptile”. Sem querermos tornar fastidiosa esta odisseia, terminamos com a ideia, tantas vezes repetida, que num universo de mais de cem artistas que atuaram durante três dias, há os que acolhemos com maior agrado do que outros, respeitando quem tem um histórico de respeito. Só assim estas coisas fazem sentido. “I’m Afraid of Americans”, uma cover de David Bowie, foi outro momento que destacamos.
A décima sétima edição do NOS Alive chegou ao fim. Um dia esgotado e dois por esgotar serão motivo, seguramente, para ponderação futura. E o futuro é já daqui a doze meses.
Fotografias: Inês Silva















