Noiserv apresenta-nos um disco que celebra os 20 anos de carreira. É um álbum que vai crescendo em cada faixa, acompanhando a trajectória do próprio artista e com ligações escondidas aos seus trabalhos anteriores.
Celebrando 20 anos de carreira como Noiserv, o músico David Santos apresenta-nos um disco que representa os vários momentos da sua carreira e da sua trajetória enquanto artista. Rodeou-se de amigos, convidou outros artistas para colaborações e mostra ao mundo 7305 – exactamente o número de dias que existem entre 19 de março de 2005, dia do primeiro concerto, e 19 de março de 2025.
David Santos é muitas vezes descrito como um one man show, multi-instrumentista. Usa dezenas de instrumentos diferentes: guitarras, pianos, xilofones, toy pianos, melódicas, máquinas de fita, baterias, sintetizadores e até objetos quotidianos usados como fonte sonora. Mas o que distingue Noiserv não é apenas a variedade de instrumentos — é a forma como conjuga o instrumental, as letras, os convidados para criar histórias, contextos, um fio condutor conceptual, entre a ternura e a melancolia.
Este é o quinto trabalho de estúdio de Noiserv, disco onde mantém o seu experimentalismo e conceptualidade. A música navega num território entre o intimismo, a melancolia e o cinematográfico, construída em torno de camadas de sons, com instrumentos clássicos e texturas eletrónicas, a que se juntam vozes suaves. Neste trabalho, canta quer em português, quer em inglês, e conta com vários convidados como Surma, Milhanas ou A Garota Não.
Da capa aos títulos das canções, com números aparentemente aleatórios, o disco é uma surpresa. Em entrevista ao Altamont, que publicaremos na íntegra na próxima semana, Noiserv explica que os números que antecedem os títulos das músicas são os “anos em que foram lançados os álbuns anteriores de Noiserv”.
Esta ligação é feita com pequenos detalhes: na faixa de 2005, a primeira, “o primeiro acorde é o mesmo que o primeiro acorde de 2005”. O detalhe vai também ao próprio disco físico, um objeto de coleção. É um “calendário perpétuo entre 2005 e 2025”, ou seja, conseguimos ter todos os dias e meses destes 20 anos rodando as engrenagens do calendário. Além disso, explica também, as músicas cantadas em português correspondem aos anos dos discos cantados em português. Ligações que são subtis, mas que funcionam como conceito e fio condutor deste disco.
“20 . 05 . A self conversation is too loud for an empty room” é uma faixa marcada por um guitarra dedilhada e voz etérea, com coros de oito “amigos” de Noiserv a acompanhar e a causar densidade. A faixa conta com a colaboração de Afonso Cabral, Bia Maria, Best Youth, First Breath After Coma, Selma Uamusse & We Trust nos coros, criando um efeito envolvente e profundo muito interessante.
“20 . 08 . A fearless party beetwen a kid and its own thoughts”, onde se conta com a participação especial de Surma, é uma faixa muito bonita (das primeiras, aliás, que foram conhecidas deste novo trabalho). A voz de Surma cruza-se na perfeição com a de David Santos, a melancolia vai aumentando de intensidade, o intimismo e a suavidade das camadas criam um ambiente até doce.
Em “20 . 16 . A casa das rodas quadradas” participa também Milhanas e é uma canção que tem tanto de doce como de melancólica. Na lindíssima “06 20 . 20 Um dia como tantos outros” somos surpreendidos com a participação de A Garota Não – uma ligação simbiótica entre as duas vozes, com uma linguagem política subjacente. E quando estamos bem confortáveis neste espaço delicado eis que surge “20 . 25 . Resumidamente”, que nos sobressalta com a sua intensidade gritada.
“20 . 27 . A long journey in a little train to Poland” é mais soturna e intensa, mais experimental. O disco vai aumentando de tom e de intensidade, tornando-se progressivamente mais denso, até à última faixa, “20. 82 . One Hundred is much more than ten times ten”, onde há tristeza, mas também um tom de esperança, um crescendo épico, como se fosse a cena final de um filme, o culminar do caminho que Noiserv foi construindo ao longo do disco – e que arrepio este crescendo dá!
Os vídeos que foram saindo, um por mês, também têm um fio condutor. “A história é a mesma. São diferentes formas de olhar para aquilo que eu fiz enquanto Noiserv”, explica o artista ao Altamont.
Este disco, como toda a música de Noiserv, é um convite à escuta atenta: quando o ouvimos sentimos que cada nota, cada palavra e cada eco deste trabalho emotivo conta a sua própria história. É um disco para saborear com atenção e ouvir uma e outra vez, descobrindo cada camada escondida que aparece a cada nova audição.