She came from Greece she had a thirst for knowledge
She studied sculpture at St. Martin’s college
That’s where I
Caught her eye
She told me that her dad was loaded
I said “in that case I’ll have rum and coca-cola”
She said “fine”
And then in thirty seconds time she said
“I want to live like common people
I want to do whatever common people do
I want to sleep with common people
I want to sleep with common people like you.”
Well what else could I do?
I said “I’ll see what I can do”
I took her to a supermarket
I don’t know why, but I had to start it somewhere
So it started there
I said “pretend you’ve got no money”
But she just laughed an said “oh, you’re so funny”
I said “yeah?
Well I can’t see anyone else smiling in here
Are you sure you want to live like common people
You want to see whatever common people see
You want to sleep with common people
You want to sleep with common people like me?”
But she didn’t understand
She just smiled and held my hand
Rent a flat above a shop
Cut your hair and get a job
Smoke some fags and play some pool
Pretend you never went to school
But still you’ll never get it right
‘Cos when you’re laid in bed at night
Watching roaches climb the wall
If you called your dad he could stop it all
Yeah
You’ll never live like common people
You’ll never do whatever common people do
You’ll never fail like common people
You’ll never watch your life slide out of view
And then dance, and drink, and screw
Because there’s nothing else to do.
Não querendo perpetuar o mito de que os Pulp são “Common People” e pouco mais, ainda assim não resisti a abrir este artigo com parte da letra deste tema, que provavelmente toda a gente conhece. Não porque seja a melhor música dos Pulp, mas porque esta letra nos traz boa parte do que é o imaginário desta original banda.
A música conta a história do encontro de Jarvis com uma rapariga, quando estudava em Londres. A moça, grega filha de um milionário, estava a adorar a ideia de estar fora da asa do pai, a viver em Londres, a misturar-se com os jovens ingleses, com a ralé, como Jarvis. E é nessa visão glamourizada que olha para Jarvis Cocker, o vocalista, letrista, compositor e mentor dos Pulp. E este, também atraído, não consegue deixar de sentir observado, catalogado, estereotipado. E daí a reacção de que ela nunca será como a”common people”, nunca perderá o controlo da sua vida, nunca verá a sua vida deslizar para fora de vista. Nunca arrendará um pequeno apartamento por cima de uma loja, nunca terá de cortar o cabelo para arranjar um emprego, nunca ocupará o seu tempo a fumar uns cigarros e a jogar bilhar. Nunca estará desesperada na incerteza de um futuro porque, bem vistas as coisas, “se quiseres o teu papá porá fim a tudo”. Isto, meus amigos, é Pulp em estado puro.
A vida dos Pulp confunde-se com a de Jarvis Cocker. Nascido em Setembro de 1963 em Sheffield, na mesma cidade suburbana que deu outro grande Cocker ao mundo da música, de primeiro nome Joe (não são familiares, ao contrário do que muita gente pensa). A sua cidade, essa Sheffield dos mercados, das ruas frias, dos pubs, dos rapazes duros e das raparigas bonitas mas pirosas, tudo isso está ensopado no universo mental e musical criado por Jarvis. O pai deste, um músico amador e DJ, abandonou a família quando o rapaz tinha sete anos e mudou-se para a Austrália, deixando-o numa casa em que os restantes ocupantes eram todos mulheres, a mãe e a sua irmã. Jarvis viria, mais tarde, a creditar essa sua educação num ambiente feminino como a razão para a sua obsessão com as mulheres, nomeadamente acerca do seu modo de pensar, de ver o mundo.
Desde cedo, um traço identificou o rapaz acima de todos os outros: a sua timidez. Alto, exageradamente magro, míope e vestido com roupas muitas vezes roubadas à irmã, Jarvis logo se tornou uma figura marcante do subúrbio onde habitava. Olhando-o, as pessoas diriam que estava ali um artista, e o feedback dos professores só reforçava essa ideia. Que tipo de artista ou que raio faria ele da sua vida, isso é que era mais difícil de dizer.
Os Pulp, enquanto ideia de uma banda, andavam nas cogitações de Cocker desde 1978. No magnífico recente documentário “Pulp: A film about Life, Death and Supermarkets”, ele próprio explica-o com uma honestidade desarmante: queria estar com miúdas, mas a sua patológica timidez impedia que fizesse qualquer gesto nesse sentido. “Então eu via as imagens dos artistas na televisão, e eles pareciam ter sucesso com as mulheres, então pensei que se tivesse uma banda com algum sucesso elas quereriam vir falar comigo e não teria de ser eu a fazê-lo”.
A origem do nome da banda veio de um filme de Michael Caine, mas como parecia demasiado curto decidiu-se por Arabicus Pulp, tirando a primeira parte de um tipo de café cuja cotação vinha no Financial Times. Inicialmente, estes Arabicus Pulp eram Jarvis Cocker e um igualmente muito jovem Peter Dalton, seu colega de turma. Desses tempos não resta qualquer registo, sendo passados a tentar tocar alguma coisa e com Cocker a estrear-se na nobre arte da escrita de canções, muitas vezes baseando-se em pequenos contos que ia escrevendo ou em histórias de autores clássicos ingleses, mantendo os temas vagos ou mascarando-os na realidade local de Sheffield. Foi em 1981 que as coisas começaram a acontecer, ainda que muito devagar. A história dos Pulp, aliás, até ao topo da britpop a meio da década de 90, é uma saga de persistência, desespero e, finalmente, de redenção.
Com mais dois amigos, a primeira formação da banda estava pronta para ir para a estrada. Em 1980 dão o primeiro concerto, mostrando um som que misturava influências do pós-punk britânico com pop descarada como Abba ou canções de genéricos televisivos. Por essa altura, Jarvis trabalhava aos sábados numa peixaria local, emprego que não ajudava à sua vida social: sábado à noite era quando aconteciam as festas com miúdas, e o rapaz desajeitado aparecia a cheirar a peixe e a lixívia, que usava para disfarçar o cheiro do primeiro. Ainda assim, nos palcos isso não significava nada. É por estes tempos que a banda integra Russel Senior, um guitarrista e violinista que foi atraído pelo ar estranho e inovador dos jovens Pulp (que haviam já perdido a primeira parte do nome). Senior, um músico também experimental mas igualmente mais experiente, foi então decisivo na definição do som que a banda havia de fazer nesses primeiros tempos. Aliás, foi o único – para além de Jarvis – que esteve na banda desde o início dos anos 80 até ao seu auge, num conjunto que teve, nas suas várias encarnações, mais de 25 elementos, a maioria dos quais nos anos 80 e com contributo fugaz.
O grupo ia fazendo algum nome em Sheffield, e gravou uma maquete que chegou às mãos do todo-poderoso radialista da BBC, John Peel, que os convidou para o seu programa. Os temas então gravados, e editados muito mais tarde, foram as primeiras canções dos Pulp a conhecerem audiência nacional. Essa primeira validação da visão de Jarvis acabou por não dar frutos para além de algum culto local. Assim sendo, praticamente toda a banda abandonou Jarvis, com os seus membros a caminho da universidade. Sobrou Russel Senior, que não tinha qualquer sonho para além de ser músico. Com mais membros a bordo, esse esforço valeu a gravação do primeiro disco da banda, It. O som deste álbum é íntimo, com a voz de crooner de Cocker a imperar sobre tudo o resto. Foram citadas influências de Scott Walker e Leonard Cohen, com o amor a ser o tema central e a folk-pop o principal veículo sonoro.
Naturalmente, as coisas não correram particularmente bem em termos de vendas, muito devido ao facto da sonoridade da banda ser muito diferente do que fazia sucesso na Inglaterra de então, com os Wham! e os Culture Club a liderarem as tabelas plastificadas. Jarvis chega a gravar um single mais pop que não só não vai a lugar algum como o deixa desiludido com o que a sua editora pretende da banda. Era altura de enfrentar a realidade, acabar com a banda e ir, também ele, para a universidade.
O destino interveio quando, num ensaio de teste com o fiel Russel Senior e o baterista Magnus Doyle, o convenceram de que, mesmo que o sucesso fosse impossível, era possível fazer música diferente e interessante. Doyle não ficou muito tempo, mas foi fundamental porque foi através dele que os Pulp ganharam, mais tarde, um elemento imprescindível na sua formação clássica: a teclista Candida Doyle, irmã de Magnus.
Em 1985, a banda continuou a criar novas músicas e a dar concertos, conseguindo finalmente outro contrato discográfico, desta feita com a Fire Records. Nesta altura, já Candida fazia parte dos Pulp, começando a contribuir para criar o som da banda para os anos seguintes. Os teclados de Doyle conseguiram criar dois padrões aparentemente antagónicos mas na prática conciliáveis: por um lado, a estranheza, com recurso a tons repetitivos; por outro, a doçura pop, estendendo uma rede musical que enchia o som em estúdio e em palco. Com um contrato assinado, a banda entra em estúdio, trabalhando nas ideias que Cocker vinha acumulando nos anos anteriores. O resultado foi Freaks, gravado numa semana. Aqui vemos claramente uma distância entre o som do primeiro disco e onde a banda se encontrava agora, fortalecida pela estabilidade dos seus elementos. É um belo disco que, como começava a ser tradicional nos alinhamentos de então dos Pulp, alternava baladas folk-pop (mas já embebidas em teclados) com temas mais experimentais (“Anorexic Beauty”, o único tema cantado por Russel Senior é exemplificativo dessa veia mais alternativa). A editora não gostou do resultado, e levou quase um ano até que o disco chegasse às lojas. Quando o fez, não houve qualquer impacto relevante, embora tenha vindo a ganhar credibilidade junto dos fãs. O próprio Cocker lamentou ter tido apenas uma semana em estúdio para o gravar, considerando que as músicas tinham mais potencial do que foi mostrado.
A frieza da reacção deixou novamente a banda sem rumo. Cocker decidiu deixar de sonhar e mudou-se para Londres, para estudar arte (e foi aí que conheceu uma certa colega grega que viria a ser vedeta de um enorme single anos mais tarde). Com a ida para a capital, os Pulp dissolveram-se oficialmente. No entanto, o destino voltou a intervir. Jarvis encontrou em Londres um amigo de Sheffield, Steve Mackey, que tocava baixo. A conversa entre ambos voltou aos Pulp, e Cocker não resistiu ao chamamento. Este foi o momento decisivo, uma vez que a nova formação do conjunto seria aquela que mais anos passaria junta, e que os levaria ao sucesso: Jarvis Cocker na voz e na guitarra; Russel Senior na guitarra e no violino; Candida Doyle nos teclados; Steve Mackey no baixo; e Nick Banks na bateria.
O ímpeto da renovada equipa levou ao surgimento de vários novos temas e à gravação e edição de singles, prática que os Pulp sempre haviam acarinhado. Um desses singles foi mesmo destacado pelo influente NME, dando confiança à banda. Em 1989, é gravado Separations, mais um passo em frente alimentado por duas correntes opostas: a pop crooner clássica e os sons mais electrónicos. A explicação vem da própria banda, derivada dos tempos vividos em Londres por Cocker e Mackey. O primeiro apresentou ao segundo Scott Walker e Serge Gainsbourg, que moldam a primeira parte do álbum; o segundo introduziu Jarvis ao mundo da música house e das raves, que este abraçou narcoticamente. “Countdown”, um dos singles, começou finalmente a fazer alguma mossa, vindo mais tarde a dar nome a uma colectânea dos primeiros discos dos Pulp. Ainda assim, enquanto o single ganhava balanço, o disco continuava por editar, algo que só viria a acontecer em 1992. No período intermédio, a banda foi gravando singles para a editora independente Gift, conseguindo assim editar alguma música enquanto lutava com a editora pela saída de Separations. Perante o burburinho que os Pulp começavam a gerar com os máxis editados pela Gift, a antiga editora Fire decide-se finalmente lançar Separations. O disco é bem recebido, mas o tempo que correra desde a gravação deixara o grupo muito longe em termos de sonoridade e de imaginário. Os singles da Gift – lançados mais tarde numa óptima colectânea chamada Intro: The Gift Recordings – faziam-se agora de uma pop electrónica poética e algo obsessiva. Para trás ficava a folk romântica weird, para dar lugar a narrativas sobre a noite, as drogas, o sexo e o excesso.
Em 1992, o single “O.U.” é destacado pelo Melody Maker, que o distingue como single da semana juntamente com a primeira investida de uma banda promissora mas ainda relativamente desconhecida:”The Drowners”, dos estreantes Suede. É neste momento que as coisas começam a mudar, e a rampa do sucesso começa finalmente a inclinar-se. As mais recentes composições de Cocker, com um rumo mais pop, convencem a editora Island, que se apressa a colocar a banda em estúdio e a editar os singles “Babies” e “Razzmatazz”. Esta é a época dos grandes singles em catadupa, seguindo-se outros clássicos como “Lipgloss” e, sobretudo, “Do you remember the first time”. Este tema é não apenas o primeiro single dos Pulp a furar o top 40, é o sinal do potencial comercial de uma mistura explosiva: a capacidade de composição de Cocker e o seguro e sedutor rumo pop da banda.
A confirmação da subida de divisão chega com o extraordinário His n Hers, de 1994. “Babies” e “Do you remember the first time” puxam pelas vendas do disco, que é nomeado para o Mercury Prize, perdendo por um mísero voto. Nesta altura do campeonato, já ninguém pensa em deixar a banda e arranjar um emprego; os concertos sucedem-se, assim como os videoclips e algumas aparições na tv. His n Hers é, provavelmente, o disco no qual os teclados de Candida Doyle são mais proeminentes, e essa doçura electrónica dá-lhe um tom pop que nunca mais foi igualado.
O sucesso do novo disco leva à edição de Masters of the Universe, uma compilação de singles lançados pela Fire Records entre 1985 e 1987. Em 1994, os Pulp estavam a muitas milhas dessa sonoridade, mas Masters of the Universe fica muito bem junto dos tempos de Freaks ou Separations.
Nesta altura do campeonato, já a bola da britpop estava a rolar com toda a convicção, e os Pulp começaram finalmente a ser falados como pontas de lança do movimento, ao lado de bandas como Blur, Suede e Oasis. Esta reputação só viria a cimentar-se com o disco seguinte: o demolidor Different Class, de 1995, e os omnipresentes singles “Common People” e “Disco 2000”, entre outros. É o disco que os leva definitivamente ao estrelato, sendo um campeão de vendas e, sobretudo de influência. Esse álbum é o melhor cartão de visita dos Pulp, para além de ser, provavelmente, o melhor. É que é aqui que tudo se conjuga, que a banda encontra o equilíbrio sonoro perfeito entre o domínio das guitarras e do sintetizador, em que a escrita de Cocker se consolida ainda mais. Um disco completo, coeso, e que retrata a ‘britishness’ de Londres e de Sheffield. Os temas são os mesmos de sempre: obsessão, inveja, sexo, excesso, angústia, insegurança, medo, timidez. Como sempre, o voyeurismo na voz de Jarvis, que vê de fora os outros a amarem e a divertirem-se, enquanto eles os segue, na escuridão, espiando, sonhando, sofrendo. Tudo com uma extraordinária qualidade literária, cujos textos já inspiraram workshops e cursos universitários.
Estes sãos os tempos do excesso. Da presença regular em programas televisivos, de Jarvis enquanto figura pop e cultural, juri de programas de talentos. De putos normais a imitarem a sua bizarra forma de vestir. De finalmente conseguir miúdas. Mas, como tantas vezes acontece, o atingir de um sonho mais parece um pesadelo.
A história já foi contada muitas vezes. O álcool e as drogas, naturalmente. A súbita alienação de alguém que, sofrendo de uma crónica falta de confiança e auto-estima, se vê atirado para o palco da vida e adulado por gente a quem se quer agradar, apenas porque sim, porque essa gente é famosa, feliz, aquilo que sempre se quis ser, não é? Junte-se a isso o cansaço das digressões, as invejas dentro da banda pelo sucesso mediático de Cocker e a enorme desilusão deste com o que a tão buscada fama afinal lhe podia trazer, tudo isso contribui para o esgotamento criativo da banda. Sinal de que algo se descontrolava foi a famosa e aplaudidíssima intervenção de Cocker durante a actuação de Michael Jackson nos prémios Brit de 1996. Jackson estava a cantar em palco, rodeado de crianças, quando Cocker invade esse espaço, gritando qualquer coisa que não se conseguiu perceber. Deambulou pelo palco gritando impropérios e levou mesmo à interrupção da actuação de Jackson, antes de ser detido pela segurança e entregue à polícia. Os rumores de abuso sexual de crianças por parte do músico norte-americano eram já muito conhecidos, mas o que terá levado Cocker a fazer aquilo terá sido a “postura de Jesus Cristo” de Jackson, segundo a explicação dada, mais tarde, pelo agnóstico vocalista dos Pulp. A celebridade de Jarvis explodiu então ainda mais, com Noel Gallagher e outras personalidades a elogiar a atitude. A verdade é que, por mais divertido que tal tenha sido, era sinal de que a sanidade se começava a despedaçar dentro de Cocker, debaixo de toda a pressão mediática que sempre procurara mas que, afinal, lhe custava tanto suportar.
Em 1996, a britpop já levava alguns anos em cima e, nalguns casos, dava os primeiros sinais de implosão. Era impossível manter a fresca energia do início da década, sobretudo para uma banda como os Pulp, que já tinha uns 20 anos de carreira em cima. Haviam chegado cansados ao estrelato, e ao fim de dois discos que garantiram o seu lugar na História, a dureza do caminho e da chegada começavam a fazer mossa. Ainda assim, o ano não terminaria sem dois marcos importantes: é editada a colectânea Countdown, que reunia temas da fase dos Pulp na editora Fire, nos anos 80, conseguindo subir ao top 10 de vendas, mesmo que Cocker tivesse dito aos fãs para não o comprarem, comparando-o a “olhar para um embaraçoso velho álbum de fotografias de família”. Por outro lado, a banda contribui com “Mile End” para a banda sonora do extraordinariamente marcante filme Trainspotting, provando mais uma vez o quanto os Pulp estavam entranhados na cultura pop de então. Em Agosto, os Pulp são cabeças de cartaz no festival V. Não voltariam a dar concertos durante quase dois anos.
E, naturalmente, muita coisa tinha mudado quanto a banda regressou.
Pelo meio, Russel Senior abandona os Pulp, desiludido pela direcção mais comercial que, sentia, o grupo estava a tomar. Cocker lutava contra uma depressão, causada pelo abuso de cocaína e pelo fim de uma longa relação amorosa, continuando a prestar-se a aparecer em programas televisivos sem substância. A falta de rumo espalhou-se à música, e o muito aguardado sucessor de Different Class torna-se um pesadelo, na composição e na gravação. Em 1998, sai para as lojas This is Harcore, um disco que vendeu bem inicialmente mas que acabou por desiludir muitos dos fãs que esperavam novos “Common People”, “Underwear” ou “Babies”. Este era um álbum muito mais negro, versando sobre os temas clássicos dos Pulp mas centrado nos efeitos das drogas (“The Fear”), no medo de envelhecer (“Help the Aged”, o primeiro single), e na pornografia (“This is Hardcore”). O próprio trabalho gráfico do disco consistia em imagens de estrelas pornográficas em poses estudadas, um mundo plastificado movido a cocaína. É, apesar de tudo, mais um grande álbum de Pulp, com uma coerência estética e temática assinalável. Mas, à medida que a bola britpop começava a parar de rolar, também a festa dos Pulp estava a acabar, e o som reflectia isso mesmo, ainda que com impecável qualidade e classe.
Na sequência desse disco, a banda continuou a dar concertos, embora mais espaçadamente, com os seus membros, sobretudo Cocker, preocupado com o significado de tudo aquilo. Também Candida Doyle sofria de problemas físicos, e a ausência de Russel Senior retirava um dos impulsos criativos da banda. Para o lugar deste entra o guitarrista e teclista Mark Webber, que até hoje se mantém na banda.
A encruzilhada criativa da banda teria um desfecho no último disco, We Love Life, de 2001. Nova década, com a britpop morta ou moribunda em termos de relevância cultural, e os Pulp à procura do seu espaço. Scott Walker, eterno ídolo de Jarvis, assume as funções de produtor, e o resultado é um álbum mais folk do que o habitual, que resulta numa fusão entre o pop dos anos 90 com os temas e as sonoridades iniciais da banda. Mais uma vez, é um bom disco, mas o mundo deixara de querer saber dos Pulp. Do turbilhão britpop, criativamente restavam apenas os Blur, que haviam renegado essa identidade inicial em busca de um caminho alternativo, seguindo as pisadas dos Radiohead, por exemplo.
Era o fim do caminho e pouca gente parecia ter pena disso (eu era um deles, até porque nunca os cheguei a ver ao vivo!).
A década seguinte veria Cocker mudar-se para Paris, casar-se e constituir família. Ocasionalmente voltou ao mundo da música, trabalhando em discos dos Air e de Charlotte Gainsbourg, entre outros, sobretudo como letrista. Editou ainda dois óptimos discos a solo, sem vendas significativas. Fez documentários televisivos e rádio para a BBC, e é ainda editor literário, mantendo-se no imaginário colectivo de Inglaterra, que continuou a acarinhá-lo como um dos seus mais proeminentes artistas.
Quanto aos Pulp, o regresso surpresa deu-se já em 2011, com uma série de concertos, muito bem recebidos e com a formação clássica da banda cheia de fome e de energia por estar de volta. O último concerto da banda foi dado em Dezembro de 2012, na sua cidade natal de Sheffield, momento eternizado no excelente e obrigatório documentário “Pulp: a Film about Life, Death and Supermarkets”, saído há poucos meses. Aí, Jarvis Cocker dá algumas pistas sobre o futuro dos Pulp, basicamente dando a entender que dificilmente a sua actividade se retomará. Esse concerto, aliás, foi deixado propositadamente para o fim, guardando o adeus derradeiro para Sheffield, “corrigindo a forma algo inacabada como as coisas tinham parado”. Ainda em 2012, Cocker disse em várias entrevistas que estava a trabalhar em ideias para novas canções, não se referindo se para si a solo ou para a banda. Em Janeiro de 2013, a banda edita digitalmente “After You”, uma canção inédita. Para primeiro pedaço de música nova dos Pulp em mais de uma década, o tema é estranhamente banal, e não teve sucessão. Depois disso, o silêncio.
Que Jarvis Cocker, um dos mais extraordinários autores musicais do nosso tempo, andará “por aí” a fazer coisas – incluindo música – é quase certo. Se a fará com os Pulp, a solo ou em colaborações esporádicas, teremos de esperar para ver.
Cocker e os seus companheiros da longa caminhada podem estar cansados, e têm direito a isso. Deixaram uma mão-cheia de discos obrigatórios, com alguma da melhor, mais complexa, mais bonita, mais profunda, mais doce, mais negra e mais bem escrita música da história das últimas décadas. É um cofre do tesouro ainda por explorar, por muita gente.
Que este artigo possa contribuir para que isso aconteça, é o nosso desejo.