The Bad Fire é um fogo bom. Fricção de sílex sonoro para que se acenda a alma dos temas do novíssimo disco dos Mogwai. Que bela entrada esta, em 2025!
Os Mogwai sempre brincaram com o fogo, a verdade é essa. Um fogo amigo e épico, é certo, que por vezes vem como uma brisa da tarde, outras como um tornado que anseia pela destruição e o caos. De qualquer dos modos, é chama que não queima, nem destrói, felizmente. Antes pelo contrário: sente-se e não dói, arde e vê-se o prazer desse arrepio à flor da pele. No entanto, e mesmo sabendo que a banda escocesa dificilmente deixará de ser o que sempre foi, ao seu décimo primeiro longa duração, há qualquer coisa que se altera, mesmo que parca, fazendo com que este The Bad Fire seja ligeiramente diferente do registo típico dos anteriores. Ou melhor, não se aposta tanto no clímax dos temas, mas sim na inquieta tranquilidade do que vem depois desses momentos áureos. Talvez até nem se note o que dizemos, sobretudo se não forem próximos do que Stuart Braithwaite e companhia andam a fazer desde os finais dos anos noventa. Em The Bad Fire faltam algumas cambalhotas (ou contrastes, dito de forma mais consentânea com uma suposta crítica musical), algumas piruetas de sons e ritmo, malabarismos. No entanto, e apesar dessas ausências parecerem defeitos ou falhas, o que resulta é exatamente o contrário. The Bad Fire é um prazer, um disco que parece guiar-nos através de uma luz intensa, um percurso em dez passos por um caminho de paz.
Pelo que se escreveu antes, não se pense que The Bad Fire não estica as cordas sonoras de que se compõe. Há tensão no seu fio condutor, mas os temas não se moldam de forma impetuosa, rígida ou austera. Há maior flexibilidade, maior vontade de não ser nortada, antes desejo de ser algo mais que brisa fresca que se resolve com uma toalha aos ombros, quando se olha o mar ao final do dia.
Se é verdade que The Bad Fire se ouve (e assim deve ser, sobretudo com os Mogwai) como um todo, queremos destacar certas faixas, nomeadamente aquela que mais nos surpreendeu, quase em registo pop gentil e sonhador, que é “Fanzine Made of Flesh”, a lembrar os The Cure de outros tempos. Ouça-se com atenção os sintetizadores que por lá andam, saltitantes e festivos, convidando ao prazer festivo. Por contraste, “Pale Vegan Hip Pain” é maravilhosamente tranquila, contemplativa, com guitarras que indicam a melodia do seu próprio caminho. Um dos grandes temas do álbum, sem dúvida! Seria injusto não referir também “God Gets You Back”, faixa de abertura, um loop contagiante e duradouro (parece que permanece na cabeça até ao fim dos quase cinquenta e cinco minutos do álbum), excelente tema inicial deste The Bad Fire. Ou não mencionar ainda “Hammer Room”, contagiante pela sua singeleza e forte dinâmica rítmica, já quando o disco se aproxima do fim. E, por falar-se em momentos derradeiros, a última faixa é igualmente merecedora de atenção especial. “Fact Boy”, é assim que se chama o tema que encerra o álbum, parece rebolar em câmara lenta por um grande declive, absorto do seu estado de extrema leveza e sedução, como se a grande queda de Alice pela toca do coelho fosse, aqui, mimetizada através do som. Que maravilhoso momento!
Feitas as contas, este The Bad Fire é, afinal, gentil e prazeroso. Dele não ficará terra queimada, nem corremos riscos de rescaldos mal conseguidos ou de reacendimentos posteriores que nos possam incomodar. Tudo assenta na perfeição. Tudo existe como deve existir. No need to call the firemen.