Gosto da ideia conceptual de viver com uma banda sonora. Afinal de contas, a música é uma companhia imaterial que se manifesta fisicamente. Existe todo um jogo sensorial entre notas e receptores do nosso corpo, o que explica os diferentes “efeitos musicais” como abstracção, concentração, libertação, e muitas outras experiências sensitivas que não podem ser vulgarmente expressadas por palavras. Desde o primeiro dia do mês que oiço na minha aparelhagem, no meu computador, e na minha cabeça o novo álbum dos Moderat, “III”. Mas mais do que uma banda sonora, escutá-lo tem sido um processo de descoberta e um incessante escrutínio deste último capítulo da trilogia. Não sabemos se haverá mais alguma saga, mas sabemos que com esta eles já fizeram história.
Uma das coisas que mais me fascina neste power trio alemão é a capacidade de conquistar públicos de diferentes estirpes musicais; não é apenas a classe electrónica a consumi-los. Fundem habilmente o mundo mais ambiental de Apparat com a esquizofrenia electrónica dos Modeselektor, numa versão mais pop mas nunca vendida deles próprios, conquistando mais do que o público comum aos seus projectos paralelos. E as divergências que assolaram o grupo nos primeiros anos de formação – e que levou a um compasso de espera de seis anos entre a promoção do EP e o lançamento do álbum de estreia – mostram-se cada vez mais longínquas. III é a convicta afirmação dos Moderat, a prova física de que continuam a ser únicos e nunca banais.
O primeiro tema desvendado, “Reminder”, cumpriu o papel de atiçar os fãs, recriando uma electricidade semelhante à de singles anteriores, mas transmitindo uma nova aura mais negra, mais contemplativa. III é uma viagem mista de emoções: ao mesmo tempo que sentimos uma melancolia intrínseca à voz de Apparat, sentimos também a engenhosa capacidade dos Moderat explorarem os seus caminhos musicais, criando diferentes estados musicais para os seus ouvintes. Há ritmos de abanar a anca (“Finder”), há outros de abanar o corpo todo (“The Fool”), mas há também canções mais introspectivas como “Eating Hooks” ou “Ghostmother”. Ainda há as que ficam no limbo, e que, como “Intruder”, irrepreensivelmente conjugam a melancolia com momentos de êxtase electrónico. Em suma, o novo disco é um conjunto de temas fortes e intensos, onde existem vários momentos de clímax, em várias músicas, e em vários momentos das mesmas (não fiquem indiferentes a “Animal Trails”).
Para além de ser uma experiência única nos campos sensoriais, III é um álbum capaz de absorver o seu ouvinte, mas é também capaz de o acompanhar para qualquer lado; a banda sonora dos dias cinzentos, das tardes de sol e das noites longas. Em Junho deste ano, os Moderat vão tocá-lo (juntamente com outros tantos sons anteriores) no festival Primavera Sound do Porto. Vemo-nos por lá?