Depois de quase um mês de férias junto ao mar, era tempo de voltar a ter os pés bem assentes em terra. O verão parecia ter os dias contados, e mesmo quando esperávamos dele os calores que lhe dão nome, alguma desilusão se instalava. Agosto foi um mês estranho, pelo menos em terras algarvias, onde os dias de praia mais pareciam dias de praia de certos filmes franceses. As nuvens foram muitas, o ar fresco do início dos dias demorava a passar. Por vezes perdia o respeito e avançava, tomando conta de todas as horas. Talvez por isso, por todas essas circunstâncias, o disco que mais ouvi enquanto esperava, na praia, que o verão tomasse conta das areias e do mar, foi Así Duele Un Verano, dos já desaparecidos e saudosos Migala, a melhor banda que a capital espanhola alguma vez viu nascer. O meu agosto, por causa desta minha particular escolha musical, encheu-se ainda mais de uma nostalgia sem tempo e sem lugar. Arrastou-me nela, e nela fui ficando até quase ao último dia do mês. Foi assim que passei por um verão que nunca houve, verdadeiramente. Junto ao mar, em viagem pelo imaginário tranquilo mas inquietante das canções de Abel Hernandéz e companhia.
Conheci o grupo Migala há cerca de 10 anos, por via de um amigo de Málaga que me mandou alguns discos com o propósito de me mostrar boas bandas e artistas que provavelmente eu não conheceria. Acertou na mouche. Não só adivinhou a respeito da minha ignorância, como acertou também no facto de ter gostado muito do que dele recebi, como, aliás, o próprio tinha a certeza de que era isso que iria suceder. Dos vários que recebi, Asi Duele Un Verano, mais do que todos os outros, ficou imediatamente cativo dos meus ouvidos. Até hoje, na verdade, isso acontece. Com a particularidade de ser cantado em inglês (por vezes bem sofrível, diga-se), o disco é de uma beleza incomum. Não se instala de imediato, mas imediatamente ficamos em saber (julgo que o plural aqui fará todo o sentido, uma vez que agora sou eu que tento adivinhar o que sentirá quem o ouça pela primeira vez) que se trata de um lote de canções de elevadíssima qualidade musical, estética, até literária, se conseguirmos dar a devida atenção aos versos cantados, falados, murmurados que podemos ouvir, canção após canção.
É fácil pensarmos em Tom Waits quando ouvimos “The Whale”, como também nos vem à cabeça, ao longo de todo o disco, nomes como Nick Drake, Cohen, Tindersticks, Smog e Bill Callahan. O disco parece contar-nos uma história, mas isso não é bem verdade. Ou melhor, não me parece que essa suposta narrativa (que na verdade não existe) seja o que mais importa aqui. Vive muito mais de ambientes soturnos, de imagens letárgicas, de monólogos catárticos, de paisagens sonoras onde é fácil sermos nós os construtores de uma qualquer história por haver. No entanto, ao ouvirmos o álbum, algo se quebra dentro de nós… Há, para máximo deleite de quem se rende a ouvir Así Duele Un Verano com a atenção que ele merece, um sentido de perda interior, de derrocada sentimental que chega mesmo a doer, tal a beleza sonora encenada nos seus treze temas. Basta ouvir “Wait The Ships Come Back”, a faixa de abertura, para sabermos o que o disco nos reserva. Vamos navegando pelas ondas tranquilas das canções e chegamos a “Gurb Song”, bela e enigmática, elegantíssima, com aquelas notas de guitarra que nunca mais desaparecem da nossa cabeça. Por essa altura, talvez estejamos em pleno mar, ou então perdidos em memórias que, como as marés, vêm e vão sem que nada possamos fazer para retê-las em definitivo. Por isso fui ouvindo o disco mais uma e outra vez, até ser tempo de abrir os olhos, arrumar as coisas, sacudir a areia do corpo, e dar o verão (que não houve) por terminado.