O que terá motivado os Mão Morta a dar dois concertos no pequeno Sabotage, em Lisboa, e recuperar repertório duro e acelerado de começo de carreira? É um mistério – mas na verdade não precisamos de resposta porque na memória fica mais um pedaço de história de um dos mais impactantes grupos rock de Portugal.
A premissa era a de haver um “regresso ao underground” depois de três décadas de concertos “nos maiores e mais importantes palcos do país”. Em dois concertos – sexta-feira e sábado -, os Mão Morta iam apresentar-se “em formato nu e cru” e tocar canções distantes no tempo mas memória implantada no cérebro de muitos fãs. Os concertos integraram uma parceria entre o clube lisboeta Sabotage e o festival Reverence Festival.
No sábado, concerto que a reportagem do Altamont presenciou, a fila à porta do Sabotage cerca das 22:00 – hora apontada para o começo do espetáculo – indiciava o óbvio: a lotação estava esgotada, o calor seria muito, o suor não demoraria a chegar. Adolfo Lúxuria Canibal, o vocalista e o ícone, não terá demorado mais que duas canções até ficar com a camisa encharcada em esforço e rock.
“Adolfo, tens pedalada?”, gritou alguém na plateia. “Quanto é que apostas?”, devolveu o músico. A energia pode não ser a mesma de outros tempos, há mais quilos e primaveras (de destroços?) atravessadas, mas de aparências não se fazem lendas. Adolfo e demais Mão Morta permanecem em forma, e o disparar logo a começo de clássicos como “Oub’lá” ou “E Se Depois” foi garantia imediata de que esta seria uma noite voltada os fãs de sempre do grupo de Braga.
Com efeito, há poucas semanas os Mão Morta haviam estado em Lisboa, na Aula Magna, para um concerto – com a Remix Ensemble, grupo da Casa da Música – que integrou os festejos do centenário do Theatro Circo, em Braga. A lotação esteve longe de esgotada, o próprio alinhamento foi menos cru e acelerado, e o espetáculo representou uma faceta dos Mão Morta que as noites no Sabotage focaram menos: a banda dos pormenores, dos detalhes, do perfeccionismo.
O que o Cais viveu foi um verdadeiro Caos no Sodré. “Charles Manson”, “Destilo Ódio”, “Lisboa” e “Anarquista Duval”, por exemplo, foram pontapés rock como há muito os Mão Morta não davam num clube pequeno. No sábado faltou “Budapeste”, mas houve, por exemplo, “Quero Morder-te as Mãos”. Também houve passagens pelo recente e bem jeitoso “Pelo Meu Relógio São Horas De Matar”, e Adolfo, antes do encore, não negou a possibilidade de ‘crowdsurf’.
Para os acérrimos fãs, este foi um concerto imbatível, próximo, pesado e necessário. Foi o redescobrir de uma das mais intensas bandas rock portuguesas no seu habital natural e na sua vertente mais animalesca. Os curiosos terão sentido a falta dos Mão Morta mais exploratórios – mas esses Mão Morta, que tiveram no projeto “Müller No Hotel Hessischer Hof”, de 1997, o momento mais feliz, meteram folga este fim de semana. E ainda bem.