“In the dark times
Will there also be singing?
Yes, there will also be singing.
About the dark times.”
-Bertolt Brecht, in Svendborg Poems
2 de Junho de 1989, Adolfo Luxúria Canibal mutila-se em palco, lacerando a sua própria perna com uma faca durante um concerto, no já desaparecido Rock Rendez-Vous. Passados mais de 25 anos deste momento marcante e edificante da música portuguesa, o conjunto bracarense fez algo que provavelmente ninguém que viu esse concerto alguma vez sonhou ser possível. Os Mão Morta fizeram-se acompanhar de uma orquestra, a Remix Ensemble, e subiu ao palco da Aula Magna.
Em palco, à Remix Ensemble e ao maestro Pedro Neves, que deram início às hostilidades deste dueto/duelo, juntaram-se Sapo, António Rafael, Miguel Pedro, Vasco Vaz, Joana Joana Longobardi e Adolfo Luxúria Canibal. A beleza inicial dos arranjos orquestrais parecem ter suavizado um pouco a dureza de Adolfo, mas essa impressão desaparece logo após a segunda música. O Remix Ensemble afia as facas e crava-as nas cordas ensanguentadas, salpicando as paredes com um vermelho vivo, num desvario de cordas clássicas.
Durante “Pássaros a Esvoaçar”, Adolfo deambula pelo palco da Aula Magna, de mão estendida, mal se aguentando em pé, tropeçando nos seus passos trôpegos, com os olhos vidrado, pedindo “caridade” àqueles que não desprendiam os olhos dos seus ébrios gestos teatrais. O alinhamento prosseguia com a orquestra do Remix Ensemble a reforçar a fatalidade das letras que Luxuria bradava. A simbiose entre orquestra e Mão Morta foi especialmente bem conseguida num dos temas mais emblemáticos dos últimos tempos dos Mão Morta, “Tiago Capitão”, que é morto por uma orquestra em fúria, perdendo-se o seu eco à medida que Adolfo se vai afastando do microfone.
As atenções dividiam-se, por vezes a Remix Ensemble brilhava, outras vezes eram os Mão Morta que vinham mais para a ribalta, mas nenhum procurava mais protagonismo, funcionavam como um organismo único e, depois de um “Estio” particularmente funky, uma pequena anotação de “The Last Time” de David Wihtaker.
O concerto foi pautado com comentários tecidos por Adolfo Luxúria, que acusou a capital de ser “centralista e umbiguista” por não dar hipóteses às bandas do norte, relembrou o passado da Bracara Augusta, controlada por arcebispos e ainda teve tempo de agradecer ao Teatro Circo de Braga que possibilitou a reunião entre a banda e a orquestra.
À medida que o concerto se aproximava do fim, Adolfo Luxúria Canibal aumentava a intensidade da sua teatralidade na entrega, enchendo a sala de semiótica, como quando se apercebeu que a Eternidade não existe e que o Tempo não espera por ninguém. Depois desta realização, o narrador escondeu a cabeça com as mãos batendo no crânio. Ou então, quando avançou sobre as cadeiras até à audiência, enquanto destilava ódio. Esse ódio levou à queda de Berlim que morreu a nove de Novembro de 1989 e cuja destruição foi ainda mais terrível devido à participação da Remix Ensemble, que encheu o muro de vermelho. Mas a derradeira entrega aconteceu quando Adolfo Luxúria Canibal (que nunca há-de ser nosso, já que nós somos dele) enrolou o microfone à volta do pescoço, mostrando uma tal “Hipótese de Suicídio”, num dos momentos com mais tensão durante o concerto inteiro.
Esta tensão seria libertada com duas últimas canções, mais rápidas e para libertar energias: “Vamos Fugir” e a sempre bem-vinda “1º de Novembro”, com a Remix Ensemble e o público a entoar o início de “1º de Novembro”. Foi tão bom que teve direito a encore.
As noites de Mão Morta são sempre “Noites de Rock and Roll”.
Alinhamento
Humano
Facas em Sangue
Pássaros a Esvoaçar
Tu Disseste
Tiago Capitão
Estio
AUM
Destilo Ódio
Berlim (Morreu a Nove)
Penso que Penso
Hipótese de Suicídio
Vamos Fugir
1º de Novembro
Encore:
1º de Novembro
(O poema que inicia este texto é o mote da coleção de poesia política Svendborg Poems)