Os mais pesados da tribo do Metal vestiram-se a rigor para uma noite com os Machine Head e ninguém ficou desiludido. Nem os que foram para ouvir os clássicos, nem os que foram pela mosh.
A primeira vez, disse o senhor Robb, foi em 1994. Abriram a noite para Slayer e no final tiveram, depois da equipa de limpeza tratar do chão do dramático de Cascais, direito a encontrar um monte de cabelo preto. “Porque vocês, metaleiros cabeludos, perderam a cabeça”, lembrou. Vinte anos passados, os gadelhudos estão mais carecas, os casacos de gala mais gastos, mais carregados de marcas de guerra, em palco está (adivinho) tudo melhor. No Coliseu, em véspera de visita ao Porto, a maratona aproximou-se das três horas. E a ementa fez-se de thrash metal, do que já não se usa, do rápido, agressivo, do que só conheço aos Machine Head, do que tem groove.
É ordeira a entrada para as missas de celebração do rock no seu estado mais pesado. O traje é de gala e o dress code bem definido – o preto é obrigatório; nos pés valem botas ou all star – calcem vans e serão recebidos como visitantes -, o casaco pode ser de ganga ou preto, mas a elite apresenta-se com divisas – tantas quantos os emblemas cosidos ou a idade do evento assinalado nas costas. Em movimento, a tribo impressiona pela tranquilidade e na arena a arrumação é exata. À frente ficam os groupies, a partir da segunda linha os loucos e cá atrás , no caso dos Machine Head, já bem perto da mesa de som, os sensatos. E foi um belo concerto, cá de trás.
Bebe-se muita e voa sempre, cerveja. Aos encontrões segue-se um pedido de desculpa. E a participação na velhinha moshada é, quase sempre, opcional. Quase. As mãos voam, meia dúzia de encontrões só ajudam a validar o concerto e eventualmente será necessário estar atento aos mais descoordenados – os metaleiros não são leves. E desta vez, ao Coliseu só compareceram os pesados. Quando Robb Flynn perguntou pelo “novo sangue” – em metaleiro, os estreantes – só meia dúzia levantou o braço.
Cá de trás, sabia-se o alinhamento, avaliava-se a forma dos anfitriões. E se o headbaggin’ não é opcional – ainda que a escola imóvel tenha sempre um par de seguidores – a postura desconfiada não fica longe de ser requisito de admissão – metaleiro puro já viu e tem de ser convencido a sorrir. No final, sorriram. Em palco e plateia, a forma está apurada. Momentos altos? As sucessivas Circle Pit à largura do Coliseu e os desfechos acrobáticos do crowd surfing. É sabido que os concertos de metal são assunto sério, quem dá, dá tudo. E ao palco não se exige menos.
As proezas gravadas em disco têm de ser executadas na perfeição e as falhas só são (tragicamente) admitidas no bom gosto das músicas menos inspiradas – caro Robb, é favor usar a acústica com extrema parcimónia. Mas a promover Catharsis, o nono disco no currículo, os Machine “Fucking” Head, como gostam de se apresentar, conhecem o livro das regras. No alinhamento, nunca deixaram de compensar cada novidade – na sua maioria desinspiradas – e mais que não falhar nas obrigatórias – Locust, Davidian, Aesthetics of Hate e Halo – abandonaram o palco imaculados. Em sexta-feira santa, no Coliseu não houve pregos.
Ao vivo percebe-se que as críticas ao novo disco são certeiras, mas também que a máquina está bem oleada. A violência da descarga e a precisão da execução impressionam. A etiqueta? Nas Circle Pit,“se alguém cai, ajudas a levantar. Ama o teu irmão”, palavra de Flynn. Cá de trás, aos encontrões, agradeces, retribuis e sorris. Há saúde no reino do velhinho trash metal, há devotos e até meia dúzia de casacos por preencher com marcas de guerra. A de ontem no Coliseu vai valer divisas.