Dylan regressou ontem a Lisboa, oferecendo-nos um espectáculo competente e gélido, como sempre foi seu apanágio.
O velhote ainda sabe rockar, ainda não aprendeu foi a interagir: entrou mudo e saiu calado, com belíssimas canções no entremeio. Ir a um concerto de Dylan é um pouco como ir às meninas: divertido, sem dúvida, mas sem qualquer intimidade emocional. Quem lá foi à procura de afectos, enganou-se no sítio: Dylan é o pai da pop moderna, não o Marcelo ou o papa Francisco. Quem foi à cata de nostalgia, foi igualmente equivocado. Dylan marimbou para a viola e para a gaita-de-beiços (esteve quase sempre ao piano), e as poucas canções velhinhas que repescou foram tão adulteradas que se tornaram, por vezes, irreconhecíveis (damos alvíssaras a quem tiver reconhecido a “Blowin’ in the Wind” no encore). Metade do alinhamento era já do novo milénio e ainda bem. Já não há paciência para a obsessão retro dos tempos modernos.
A banda que o acompanhou foi maravilhosa porque não foi bem uma banda: cada marmanjo tocou para o seu lado, orgulhosamente indiferente ao comparsa, num estrepitoso e caótico rock’n’roll que, sabe-se lá deus como, soou bem no final. Houve blues, houve country, houve jazz, sempre com verdade e sentimento para dar e vender. É difícil imaginar um som mais americana, mais América profunda vinda das entranhas da sua história, do que o ouvido ontem no altivo Altice. Dylan completou a quadratura o círculo: modernizou a pop nos anos 60 e teve o resto da sua vida a guardar a tradição.
Que enorme privilégio termos estado ontem a poucos metros de um ícone vivo, o qual, por mais que tente dessacralizar-se com quilos de misantropia e insolência, será sempre o primeiro entre os gigantes.
Alinhamento
Things Have Changed
It Ain´t Me, Babe
Highway 61 Revisited
Simple Twist of Fate
Summer Days
Make You Feel My Love
Honest With Me
Tryin’ to Get to Heaven
Don’t Think Twice, It’s Allright
Pay in Blood
Tangled Up in Blue
Soon After Midnight
Early Roman Kings
Desolation Row
Spirit on the Water
Thunder on the Mountain
Why Try to Change me Now
Love Sick
Encore
Blowin’ in the Wind
Ballad of a Thin Man