O sol brilha (queima, na verdade), os pássaros cantam e cheira a grelhados – mais um ano passou e o Lisb-On #Jardim Sonoro está de volta para mais uma edição que se adivinha cheia de grandes concertos.
Ao chegarmos ao recinto do festival, já Mary B fazia ouvir as suas escolhas musicais para o princípio da tarde. Nada de muito especial (à exceção de “Ode to a Duck” de Bjørn Torske), tudo a rodar o house e o downtempo, num registo bastante lounge. Poucos eram os que estavam no recinto (e os que lá estavam refugiavam-se na sombra), mas aquilo que quem não estava perdeu foi apenas um aquecer de orelhas.
Seguiram-se os Sweat & Smoke, projeto futurefunk de Isac Ace e Guillaz. Os seus beats e acordes, que noutro sítio teriam feito qualquer um dançar toda a noite, não conseguiram arrancar muitos da agradável relva do Parque Eduardo VII. Uma pena que o seu primeiro concerto tivesse de ser perante um público tão mais interessado nos seus smartphones e nas suas conversas que na música; mesmo as três cantoras convidadas pelo duo – Nomei dos Santos, Maria do Rosário e Da Chick – não conseguiram convencer este público distante e apático com os pedidos por “mais barulho” ou palmas. Ainda assim, para quem se deu ao trabalho de os escutar, fica o registo de algo interessante e a acompanhar.
Os Tender Games, que se seguiram ao duo português, não alteraram muito o grau geral de desinteresse do público – sendo certo que a banda também não fez muito por isso (a sua interação com os festivaleiros foi bastante reduzida). Apesar disso, no concerto do duo composto por Marlon Hoffstadt e Ulrich Harrison aka HRRSN viu-se mais gente em pé e/ou a dançar ao som da sua electropop a balançar entre Junior Boys e Disclosure.
Pouco depois da hora marcada, subiam para o palco os nova-ioquinos Escort. E quem diria que a disco ainda pode funcionar hoje em dia? A prova foi o genial concerto destas nove pessoas (uma vocalista/baixista, duas coristas, uma guitarra, um teclista, um baterista, um percussionistas e três sopros) ontem no Lisb-On. Entraram em palco com tudo e, ao fim da primeira canção, o público já era seu. Com ele na mão, os Escort fizeram uma festança, oferecendo aos espetadores o melhor post-disco que por aí se pode ouvir – se é certo que a base do género de Donna Summer está lá chapada, nela incorporam elementos da soul e do funk, mas também de house e, por vezes até, de dance punk. O resultado ao vivo é tudo aquilo que se pode esperar da mistura de todos estes elementos: ninguém estava parado, todos dançavam como se estivéssemos no final da década de 1970 numa discoteca de Manhattan cheia de indumentárias extravagantes e alimentada a quaaludes e cocaína, onde uma bola de espelhos reluzia sobre nós. A terceira passagem dos Escort por Portugal foi, assim, muito bem sucedida. A banda despediu-se do público com o seu maior êxito, “Cocaine Blues”, tendo para trás ficado diversas faixas do seu álbum mais recente (Animal Nature – 2015), incluindo as portentosas e enérgicas “Barbarians” e “Dancer” ou a sensual “Body Talk”. Um amor enorme por Portugal e este concerto de outro mundo resultaram num final cheio e promessas de retorno em breve, com a (simpática, fantástica e extremamente talentosa) cantora Adeline Michele a agradecer imenso ao público a sua entrega. Para nós fica a memória deste concerto de outro mundo.
A questão é: como é que se consegue manter uma audiência cativada depois de uma atuação tão fora de série como foi a dos Escort? O britânico Matthew Herbert tem a resposta e deu-a ontem por volta das 19:30 – com algo muito diferente daquilo que se costuma ouvir/experienciar, em termos de concertos de música eletrónica. Apresentando-se no Lisb-On com banda, sob o nome Herbert, o artista, após uma pequena introdução fez uma listagem daquilo que se ia e daquilo que não se ia ouvir naquela noite, com as devidas amostras em todos os casos: por exemplo, techno e as suas coisas mais experimentais estavam fora da mesa; já músicas do seu último álbum The Shakes ou sons como o dente de Herbert a ser arrancado, cabeças de porco a cair numa mesa, etc. Pioneiro da técnica do found sound, que consiste em usar sons captados no dia a dia como parte da percussão de uma faixa, não deixou de exibir a sua experiência nesta arte e usou três samples do público para criar a batida de uma canção. Neste concerto de trocas, o público recebeu uma performance bastante boa do artista da sua banda, que, não tendo andado muito longe de um house cantado, foi buscar “bocados” ao jazz, ao noise e até aos momentos mais eletrónicos dos Radiohead.
Para o final da noite, ficamos com uma atuação muito competente de Dixon, o produtor alemão responsável (em parte) pela fundação da editora Innervisions, que revelou em quase três horas de espetáculo a sua longa experiência neste domínio. Escusado será dizer que o público respondeu muito bem à mistura de techno e house que o alemão apresentou, ontem à noite, no Parque Eduardo VII, ficando a noite fechada com as disposições bem compostas para o dia seguinte. É impossível, no entanto, terminar esta reportagem do primeiro dia do Lisb-On sem referir as mini-atuações muito bem-dispostas da banda de marcha alemã MEUTE, que animaram, sempre com grande entrega, os intervalos entre concertos.
Fotos: Beatriz Pinto







































