Descansadas as pernas de tanta dança, era altura de regressar ao Parque Eduardo VII para mais um dia cheio de bons concertos.
De Los Miedos, DJ português cujo nome civil é Sebastião Delerue, abriu o palco com a sua eletrónica bastante original, que muito “rouba” à música do mundo (especialmente, à música do mundo) e, um pouco também, ao krautrock. Apesar do número reduzido de pessoas no recinto, o dono da Ostra Discos apresentou um set bom e cheio de sons diferentes daqueles que se costuma ouvir, conseguindo, com eles, fazer alguns levantar-se e dançar ao som dos seus ritmos vindos de todo o lado menos de cá.
Seguiu-se o concerto de Surma, a one-woman band de Débora Umbelino. Rodeada por sintetizadores, um sampler e múltiplos pedais, a cantora/guitarrista/baixista/caixa de ritmos leiriense mostrou o seu ainda curto, mas bastante interessante, reportório a um público já mais composto que o do concerto anterior, mas que ainda se refugiava muito nas sombras das árvores. Nada que importasse muito, no entanto, já que as paisagens sonoras etéreas criadas por Surma casaram perfeitamente com o céu azul e o calor – a sua voz cheia de reverb e a guitarra a ecoar por todo o lado encheram não só o recinto do Lisb-On como todo o Parque Eduardo VII, com riffs de uma beleza e sensibilidade singulares e que, por uma vez ou outra, lembravam os The xx nas suas faixas mais oníricas. “Maasai”, o seu único single até à data, revelou-se o ponto mais alto desta primeira fase do concerto. Depois, ao pegar no baixo, Débora revelou que não é só ambiência: “Wanna Be Basquiat” é uma malha post-punk bastante agressiva, que lembrou durante os seus 4 minutos nomes como Joy Division ou The Fall, em que o baixo distorcido saltitava por cima do sintetizador em loop. Por entre músicas como “Lo-fi” (de longe, a sua mais experimental) ou “YSSY”, houve ainda tempo para um bis desta última e de “Maasai” e para uma versão da faixa “Just So” de Agnes Obel. No final, do concerto, o público aplaudiu bastante – estava confirmado, assim, o sucesso da passagem de Surma pelo Lisb-On.
Mais uma vez, como no dia anterior, os MEUTE saíram do backstage entre concertos para garantir a diversão do público enquanto o palco ia sendo preparado. E, mais uma vez ainda, tiveram imenso sucesso na sua missão.
Pouco depois do término do concerto de Surma, subiam ao palco os Sensible Soccers. E claro, as expetativas foram mais que cumpridas: a banda foi recebida com uma grande salva de palmas e responderam com um concerto enorme. Começando por tocar as três primeiras canções de Villa Soledade – “Clausura”, “Villa Soledade” e a doce “Bolissol” – de enfiada, os quatro rapazes nortenhos ofereçam ao público do Lisb-On um interlúdio antes de “Nunca Mais Me Esquece” que ligou tão bem com o início da faixa que só quando as percussões de inspiração afro-beat rebentaram é que nos apercebemos de que ela já ali estava. Após esta amostra do último álbum do grupo, Filipe Azevedo e companhia decidiram levar-nos até 2014 e à música do seu registo de estreia 8 com performances fenomenais de “AFG” e “Sob Evariste Dibo”. As palmas que se seguiram foram de uma dimensão que apenas se tinha visto no dia anterior, no concerto dos Escort. Antes da última faixa do concerto, os vilacondenses fizeram correr uma mensagem gravada, a apresentar a banda e a agradecer ao público a sua presença. E assim partiram para um final triunfal com “Shampom”. Mais um grande concerto dos Sensible Soccers, ao que, de resto, já nos têm habituado.
Às 17:30 subiam ao palco os veteranos Azymuth. Vindos do Brasil, a banda de Ivan Conti (bateria), Alex Malheiros (baixista) e Fernando Moraes (teclados – entrou para substituir José Bertrami, da formação original, que faleceu em 2012) foi recebida com um enorme carinho por parte do público do Lisb-On, que cantou (Conti chegou a dizer “Que vocal bom, beleza!”), dançou (sambou, até) e os aplaudiu sempre muito, ao que os Azymuth responderam sempre com enormes sorrisos e genuínos “obrigados”. Naquela hora de celebração dos 42 anos de carreira (que Ivan Conti agradeceu ao público português, também), houve muita e excelente música: ouviram-se êxitos como as portentosas e divertidas “Jazz Carnival”, “Dear Limmertz” ou a relaxada e contemplativa “Vôo Sobre o Horizonte”. Apesar de tudo, contrariando aquilo que muitas vezes acontece e é impossível contrariar, Conti e Malheiros não acusam nada o peso da idade – ambos tocam como se fosse a coisa mais simples de sempre e, qualquer um dos três elementos, toca muito (na pequena jam que fizeram no concerto, cada um deu show p’rarrasar). Só é pena que tenham tocado tão pouco tempo, pois o jazz de fusão com elementos de funk, rock e samba tão característico dos Azymuth – o “samba doido”, como em tempos lhe chamaram – deixou todos felizes, de sorriso na cara, prontos para outra e com muitas, muitas saudades.
Uns minutos depois da hora marcada, surgia no palco do Lisb-On DJ Harvey. Veterano das pistas de dança, o londrino veio ao Parque Eduardo VII oferecer o melhor da sua vastíssima experiência, acabando por protagonizar o DJ set da noite: apesar de, mais tarde, Tale of Us ter dado um espetáculo consistente e bastante forte, com uma ambiência intimista difícil de igualar (afinal, o duo – que aqui se apresentou numa só unidade – foi nomeado a melhor parelha de DJs de 2015 pela Mixmag), Harvey Bassett deu uma lição de DJing nas suas 2:30 de set. Começando apenas com uma batida 4/4 que parecia ter a intenção de chamar o público que se concentrara à volta dos MEUTE, o início foi lento criando um ambiente misterioso através de baterias reverberadas e teclados massivamente etéreos. O som foi evoluindo, transitando entre um quase-dubstep à-la Burial e as facetas mais ambient techno de Richard D. James, subindo a intensidade para um registo space disco a lembrar as faixas de Todd Terje mais orientadas para discotecas. Passámos de uma rave ilegal num qualquer armazém abandonado nos arredores da capital inglesa para as discotecas imensas de Ibiza. A lenda confirmou-se: a festa que o londrino ali criou foi louca (a t-shirt de um transeunte anónimo dizia tudo: “Sex, drugs & DJ Harvey”) e ninguém estava parado, nem mesmo quem estava sentado. Sem nunca deixar de comunicar gestualmente com os fãs, Harvey despediu-se dizendo “Thank you Lisbon! You’ve been wonderful this afternoon!”. Nós é que agradecemos, Harvey, nós é que agradecemos.
E assim foi o segundo dia do Lisb-On #Jardim Sonoro. Amanhã, apesar do menor número de bandas, há Marcos Valle e Jungle, entre outros, para ver, portanto a festa está garantida.
Fotos: Beatriz Pinto