Tour Rumble in the Jungle termina em apoteose no ringue do Coliseu dos Recreios, que recebeu ambos os pretendentes ao cinto de campeão, resultando num empate técnico.
Não era preciso nenhuma desculpa para esta ideia brilhante de juntar as duas melhores bandas portuguesas num só concerto, mas vou começar por aí – o conceito desenvolvido foi excelente. Ir buscar o mítico combate entre Ali e Foreman no Zaire em 1974 para daí criar um novo “combate”, para além de ser genial, encaixa como uma luva no que foi, é, tem sido a carreira destas bandas. Um combate de anos e anos para agora estarem, merecidamente, no topo, no que ao rock que é feito em Portugal diz respeito. Ainda há poucos meses tocaram ali os Xutos, e deu para sentir no ar uma certa passagem de testemunho. Se dúvidas houvesse que são estas as receptoras do ceptro, ficaram todas desfeitas na noite de 21 de Dezembro do ano da graça do senhor de dois mil e dezassete.
Arrancou Tigerman com vontade de mostrar as novas canções de Misfit, álbum com ainda apenas uma semana de vida, mas ao mesmo tempo para utlizar bem o seu tempo de antena e desferir alguns golpes certeiros no “adversário”. Como sempre acontece, Paulo Furtado põe em cima do palco toda a intensidade que lhe corre nas veias, alimentado pelo amor ao rock n roll. Paulo Segadães (bateria, ex Vicious 5) não lhe fica atrás, dando um corpo incrível às subtilezas que saem da guitarra do Tigre. E o saxofone de João Cabrita às vezes complementa, outras vezes provoca, levando Furtado a dar ainda mais e mais. Uma descarga de energia única. Ao fim de nove espectáculos por várias cidades do país, a máquina chegou muito bem oleada ao round final, já que a participação de elementos da outra banda foi uma constante, fruto da crescente cumplicidade e empatia criada entre os músicos e equipas técnicas de ambos na estrada. Assim, Hélio Morais foi o escolhido para fazer as vezes de Maria de Medeiros em “These Boots Are Made For Walkin'”, para dar um exemplo. “Twenty First Century Rock’n’Roll” foi o êxtase total, público todo a gritar “Rock n’Roll” a plenos pulmões, tal como, mais à frente, “Foder é perto de te amar, se eu não ficar perto.”
André Henriques, vocalista dos Linda, dizia antes do concerto que “Sempre que assistimos ao Tigerman a tocar tão bem antes de nós dá-nos vontade de também querermos dar um grande concerto a seguir” e foi dada uma demonstração cabal disso mesmo. Grande concerto proporcionado pela banda, rebuscando todo o seu repertório de golpes, ganchos de esquerda e direita, para se manterem em pé no ringue até ao fim. É fazer trocadilho fácil dizer que “Amor Combate” foi uma das pancadas mais fortes utilizadas pelos Linda ontem, mas “Ratos”, “Cem Metros Sereia” (já acima referida), “Putos Bons” também ajudaram a marcar pontos para os juízes – o público. Que no fundo foi o único grande vencedor da luta, o público, rendido, ao fim de 3 horas de concerto.
Ainda pegando no público, notou-se que alguma parte estava lá para ver mais uma ou a outra banda. No intervalo para mudança de material também o público mudou, apresentando uma média de idades mais nova – quando antes a média estaria nos 40, passou a estar nos 30. Espero que tenham lá estado antes também para ver o concertaço de Tigerman e se tenham tornado fãs, e o mesmo se aplica a quem, conhecendo melhor o Tigre, se tenha apercebido da qualidade da banda de Massamá. Faltou, a meu ver, foi uma faixa ainda mais jovem, que é um pouco demonstrativo do cada vez maior domínio de tendências hip hop, no panorama geral da música. Num dos momentos da noite, André Henriques partilhou com o público como Paulo Segadães lhe mudou a vida, tendo o mesmo já assumido antes que era um orgulho enorme estar ali a partilhar palco da mítica sala com pessoas que viu crescer. Em tempo de recente novo filme Star Wars, importa dizer que momentos como este são vitais para manter a intacta a esperança – “We are the spark, that will light the fire that will burn the First Order down”. Há quem acredite em Deus, quem acredite em Maomé, em Buda ou Jeová, eu acredito no rock. E a noite de ontem foi uma missa em comunhão marcante, que trará com certeza frutos de passagem de testemunho de pais para filhos. Podem começar por esta Bíblia para crianças, lançada há poucos dias – “A História do Rock (para pais fanáticos e filhos com punkada)”, de Rita Nabais e Joana Raimundo (ilustração), que merece um cantinho em qualquer prateleira lá de casa.
Fotografia: Inês Silva