Há muito que esperávamos isto. Kendrick Lamar já nos tinha fintado duas vezes na televisão quando interpretou dois temas inéditos (um deles mesmo antes da edição de To Pimp a Butterfly (TPAB), tornando a finta ainda melhor) nos talk shows The Colbert Report e The Tonight Show. Era certo e sabido que K. Dot tinha um leque vasto de opções até chegar ao alinhamento final do excepcional álbum que nos deu no ano passado. No entanto, não deixou de ser inesperado acordar sexta-feira e ter ganho untitled unmastered, o que significa oito músicas novas de Kendrick Lamar.
Começa a ficar difícil falar de Kendrick Lamar. Por outro lado, o que começa a ser óbvio é que desde a edição de good kid, m.A.A.d city (2012) o rapper afirmou-se sem contestação com um dos artistas mais relevantes e influentes do hip hop e TPAB confirmou-o sem qualquer margem para equívoco, tirando-o cada vez mais do ainda nicho do género. E este foi um passo dado pelo próprio Lamar quando concebeu um trabalho onde estão o jazz e o funk e que o soube unir com beats que terminaram em temas incríveis. Não fosse só isto, K. Dot atirou-nos com letras complexas, actuais e pertinentes. São os conflitos entre a integridade e a indústria corruptiva, são dilemas de consciência. E é a identidade da comunidade afro-americana. E isto chegou de tal forma às pessoas que “Alright” se tornou palavra de ordem em vários protestos contra a violência policial nos EUA.
E estas questões e os temas incríveis continuam. Desde logo “untitled 2 06.23.2014”, figurão deste registo, com um beat mais lento, e com a densidade de temas como “u”. Naturalmente, a identidade destes temas é partilhada com TPAB, uma vez que estes são temas das sessões de gravação do último álbum do rapper. Encontramos os suspeitos do costume, como Anna Wise (“untitled 3 05.28.2013”) ou Jay Rock (“untitled 5 09.21.2014”). A produção menos aprimorada que a de TPAB, confere um som mais duro, e neste caso, deixa-nos temas mais crus mas que ao mesmo nos deixam a sensação de maior proximidade destas vozes e de todos os elementos de cada faixa.
Claro que gostava de ter tido todos estes temas em TPAB. Mas agora, e ao fim de umas tantas audições, adoro que untitled unmastered nos tenha chegado precisamente agora. O ano que correu entre lançamentos preparou-nos para receber estes temas já com o terreno batido. Não há surpresas, mas há mais uma mão cheia de faixas geniais como “untitled 6 06.30.2014” e bossa nova meets Cee-Lo Green ou a terminar “untitled 08 09.06.2014”, que depois da injecção de funk de “King Kunta” e “i” já não se estranha.
Mesmo que não se olhe para untitled unmastered com um álbum independente de TPAB, porque não o é, esta meia hora de música é uma espécie de nota a relembrar-nos de todas as razões pelas quais Kendrick Lamar se foi afirmando como figura maior do hip hop – as formas diferentes como nos fala, o que nos diz, o modo como as influências de géneros co-habitam de tema para tema. Faltam pouco mais de quatro meses para o recebermos em Lisboa no Super Bock Super Rock e já começa a haver friozinho na barriga.