Ao oitavo disco e dez anos depois do último, o mundo parece finalmente ter vontade de voltar a ouvir a banda de Jay Kay. Pena que este Automaton fique muito aquém do que os Jamiroquai já fizeram ao longo de mais de 20 anos de carreira.
Um recente artigo na imprensa britânica colocava a questão: porque é que o mundo se havia esquecido dos Jamiroquai? O jornalista, a tocar os 40 anos, admitia que passara muito tempo sem se lembrar deles, até que um dia foi a uma festa em casa de um amigo e alguém meteu Jamiroquai na aparelhagem. Passados poucos segundos, toda a gente estava a curtir e o próprio jornalista ficou surpreendido: como é que uma banda tão fixe e tão cheia de hits simplesmente desapareceu?
A resposta não é fácil, e pode dever-se à evolução do gosto mainstream ou à evolução do som da própria banda, que terá indo alienando os fãs da primeira hora. Não sei. Sei é que nunca os perdi de vista e nunca os vi fazer um mau disco.
Os astros parecem, finalmente, alinhar-se para um regresso em grande da banda de Jay Kay. Quando começaram a largar ‘teasers’ na internet, o mundo, agora, estava atento. Os jornais ingleses começaram a aquecer os motores, as publicações da especialidade começaram a redescobrir os méritos destes rapazes, e mesmo as primeiras críticas a este novíssimo Automaton estão a ser servidas com generosidade.
O disco anterior, Rock Dust Light Star, já de 2010, foi recebido com uma frieza ilustrativa. E injusta, porque era mais um belo álbum. Desde as raízes do acid jazz até ao funk mais electrónico, o groove dos Jamiroquai sempre ofuscou a sua grande qualidade: a capacidade de escrever grandes malhas e grandes canções. Mesmo esse disco de 2010, todo ele bastante bom, tinha temas enormes como a lindíssima balada “Blue Skies” ou a Stevie Wonderiana “Two Completely Different Things”, entre outros exemplos.
E agora, sete anos depois, quando o mundo parece finalmente decidido a acolher esta grande banda de braços abertos, os Jamiroquai estão de volta, com algo a provar.
É, por isso, bastante desanimador que tenham feito um dos discos mais fracos da sua carreira.
Automaton até arranca bem, com “Shake it On” estendendo a passadeira mais electrónica que hoje em dia domina os Jamiroquai e que já se pressentia da própria capa do álbum. “Automaton” surge logo a seguir, cheio de efeitos, sintetizadores e riffs funk quebrados. Os discos da banda sempre foram impecavelmente gravados e sempre se prestaram a testar a qualidade de qualquer aparelhagem, mas agora o nível de produção é outro; a qualidade sonora está lá, mas há claramente uma maior aposta em efeitos de estúdio, pormenores electrónicos aqui e ali que, passados alguns temas, começam até a cansar.
O trio de arranque fecha com um dos maiores trunfos do disco, o single “Cloud 9”, que deixa a tecnologia de lado e nos dá uma bela canção funk de Jamiroquai vintage, cheia de groove e sensualidade. É, provavelmente, o melhor momento pop do álbum.
Bastava manter a média e estaríamos perante novo triunfo. No entanto, a coisa começa a descambar logo a seguir. “Superfresh” é uma espécie de disco espacial, cheia de autotune e a ameaçar Abba a todo o momento, salva apenas por uma poderosa linha de baixo. “Hot Property” é ainda pior, porque apenas desinspirada.
“Something about you” promete um bom som anos 70, mas acaba por perder-se nas suas várias derivações e tiques de produção. “Summer Girl” puxa do baixo e das cordas à Barry White e constrói um ambiente misterioso e envolvente, mas o refrão em si acaba por ficar algo básico, pouco explorado.
Mas tudo soa bem ao pé de “Nights Out in the Jungle”, que até tem na base uma boa melodia pop, mas que é estragada com efeitos sonoros que chegam a ser ridículos (sons electrónicos de animais da selva….não). Depois levamos com “Dr. Buzz”, o tema mais longo do disco, que durante mais de seis minutos parece dirigir-se para lado nenhum. É Jamiroquai em piloto automático, sem qualquer rasgo. O mesmo se diga de “We Can Do It”, uma canção pop que já ouvimos muitas vezes e que não ficará na nossa memória.
“Vitamin” larga a obsessão de conseguir um refrão mortífero, numa música experimental, deambulante e moderna. Um exemplo de como os Jamiroquai sempre foram mestres na criação de texturas e ambientes. E é pena que, neste disco, haja pouco espaço para estas explorações, ocupado com canções que não deixam marca. O fecho, com “Carla”, não muda essa sensação, embora conte com uma bela linha de baixo e sintetizador e um tom cansado que fica bem a finalizar Automaton.
O disco está a ser bem recebido, pela crítica e pelos ouvintes. E isso é, sem dúvida, uma óptima notícia. Mas apenas porque os Jamiroquai têm, ao longo da sua carreira de 24 anos, canções para dar e vender, e esta talvez seja uma oportunidade para que voltem a ser ouvidas. Infelizmente, Automaton não é a casa indicada para as procurar.
Não que seja um mau disco, tem ideias de produção, melodias e arranjos inventivos como sempre e que deixariam orgulhosos muitos produtores da moda. O que falha aqui não é o groove, a dança, a fusão do funk com a tecnologia. Isso continua cá tudo. O que falha é a ausência de grandes canções e o recurso a algumas solução “fáceis” para uma banda que nunca nelas se refugiou (bem mais de metade dos temas termina em fade-out, como se Jay Kay tivesse ficado sem ideias para uma conclusão digna e quisesse simplesmente passar à faixa seguinte). Não há produção ou estúdio que substitua uma grande canção ou uma boa ideia.
Ouçam este Automaton, sim. Melhor, ouçam qualquer um dos outros discos dos Jamiroquai, ao calhas, e deixem-se voltar a conquistar por estes mestres do funk espacial. Que o mundo os ouça novamente, já que finalmente parece disso ter vontade.
Com a certeza, no entanto, que o melhor da sua produção ficou lá para trás.