Senhoras e senhores, meninas e meninos, este é um momento solene. É o momento em que o mundo recebe aquele que é apenas o terceiro disco dos enormes Irmãos Catita, apesar de a banda, enquanto tal, andar por aí há mais de 20 anos.
Um dos 37 projectos paralelos de Manuel João Vieira, o intelectual provocador brejeiro mais vagabundo deste cantinho à beira-mar plantado, os Catitas nasceram no palco. Se os Ena Pá 2000 foram mantendo uma relativamente profícua, ainda que imprevisível, carreira discográfica, os Irmãos Catita sempre foram mais banda de concerto do que de disco. O que é uma pena, dadas as inúmeras pérolas do seu reportório.
Há ainda muita gente desatenta que não distingue Irmãos Catita de Ena Pá 2000, portanto vamos tentar resumir. Os Ena Pá sempre percorreram mais os caminhos do rock desbragado, enquanto os Catitas navegam os doces mares do nacional-cançonetismo, da música “popular” (leia-se, a roçar o pimba), com um substracto irónico de saudosismo do Portugal imperial, colonial e ultramarino, do Minho até Timor. É um mundo perdido ali entre o final dos anos 50 e a descolonização, sempre assente no pequeno português ridículo que se fez grande junto das nativas africanas, o português alcoólico e “putanheiro”, o galã de bairro, o fadista falhado.
Numa carreira tão longa e tão rica (e não vamos sequer entrar pelos igualmente óptimos Corações de Atum, por exemplo), este é apenas o terceiro testemunho gravado dos Irmãos Catita. Tivemos primeiro Very Sentimental, de 1996, que nos trouxe clássicos como “Lourenço Marques” e “Conan, o Homem Rã”; seguiu-se Mundo Catita, de 2001, com temas como “Putas em Portugal e no Mundo”, “Cocaína na Vagina”, “Kanimanbo” e “Moçambique é Portugal”. Agora, no ano da graça de 2015, chega-nos Portugal dos Pequenitos, um título plenamente apropriado não apenas ao momento que vivemos mas também às personagens que os Catitas sempre acarinharam.
O que este disco nos traz são 19 músicas, muitas delas já conhecidas de quem os acompanha ao vivo. Os temas são os do costume, felizmente: Portugal, – falso grande e verdadeiro pequeno -, obsessão sexual (com taras variadas como a bestialidade), saudosismo colonial, surrealismo, teclados foleiros, coros ridículos, asneirada e muita santa idiotice.
O álbum ouve-se como um todo, sem grandes tempos mortos. Se a música é mais banal, a letra não nos deixa desligar da certeira parvoíce da mensagem, mas em muitos casos temos o melhor dos dois mundos.
Entre os principais destaques aponto o primeiro tema, “Kericucu” que, em jeito de música havaiana, versa exactamente sobre o que estão a pensar; “Portugal, Terra Maravilhosa”, uma marcha que é o verdadeiro hino a este país em que “Do Minho a Timor, fazemos amor, com as mulatas locais”; o quase ié-ié de “Regina”, que se presta às rimas habituais; “Bela Matulona da Damaia”, muito possivelmente o melhor título de sempre para uma canção em língua portuguesa; o pastiche do pimba de aldeia de “Músicas Foleiras”; “Eu vou (Correio da Manhã)”, que faz lembrar o saudoso pequeno grande Nelson Ned; e ainda “Fodi”, um manifesto da alegria de copular.
Enfim, já perceberam o que por aqui anda. O único senão do disco é que na cabeça de Manuel João Vieira – aqui na encarnação de Elvis Ramalho – deve reinar grande confusão entre bandas e géneros, e vários dos temas não são caracteristicamente Irmãos Catita e poderiam facilmente ser da sua banda-gémea. Não vem daí mal ao mundo, dizemos nós.
É mais um tomo, ainda por cima raro, da delirante história deste intelectual brejeiro e subversivo, que debaixo da capa da idiotice e da javardice (elogios sentidos e agradecidos) , vai fazendo do melhor humor e da mais esfuziante música que temos em Portugal.