Esta não é a primeira vez que James Osterberg, que o mundo conhece como Iggy Pop, se encontra numa encruzilhada da vida. As drogas, o excesso, a puta da vida, de tudo isso Iggy já experimentou. Mas agora, admita-se, as coisas são diferentes. O fim dos Stooges e a morte do seu melhor amigo e companheiro, David Bowie, não podiam deixar de colocar dúvidas e fantasmas na sua mente. Em 2016, neste mundo de tweets e que vê desaparecer os últimos dos grandes, Iggy é obrigado a confrontar-se com a sua própria mortalidade, o seu lugar no mundo, o seu legado, o seu fim.
O disco nasceu da iniciativa do próprio Iggy, que sempre se sentiu mais seguro rodeado de parceiros, Bowie ou os Stooges (e muitos outros, menos perenes e menos profundos). Daí que, no final de 2014, se tenha aproximado de Josh Homme, o líder dos Queens of the Stone Age e acelerador de vários dos mais interessantes projectos rock da actualidade, sugerindo uma colaboração. O disco, na verdade, é escrito a dois, com um grande peso de Homme na parte musical e todas as letras a cargo de Pop. A banda que o gravou completa-se com Dan Fertita, dos Dead Weather e dos Queens, e com Matt Helders, baterista dos comparsas Arctic Monkeys. Na verdade, apesar deste ‘ensemble’, o resultado final é muito menos pesado do que se poderia supor, e é verdadeiramente um disco de Iggy Pop. A sua personalidade, a sua voz, domina todos os nove temas do álbum, e o ambiente que Homme ajudou a criar encaixa-se perfeitamente em algumas das fases que conhecemos do trabalho de Pop a solo. Temos muito pouco ou quase nada de Stooges, da sua crua energia, quase nada dos Queens of the Stone Age ou Dead Weather, nadinha de Arctic Monkeys. A sonoridade transporta-nos para os tempos de The Idiot ou Lust for Life, de 1977, discos escritos e gravados com Bowie, cuja sombra paira inevitavelmente sobre Post Pop Depression. Basta ouvir “Gardenia”, provavelmente o tema mais apelativo do disco (sem ser fácil), e é muito fácil imaginar este tema gravado em Berlim com Bowie a ajudar nas vocalizações. Elogio ao trabalho de Homme, que quis e soube ser generoso ao ponto de deixar o palco ao velho Iggy, mesmo que cada nota do álbum tenha o seu dedo.
O ritmo nunca é frenético, e na verdade Pop nunca precisou de ser rápido para ser ameaçador, tal como Nick Cave, por exemplo. É um disco rock, sem ser um disco viciado nas guitarras. Os principais destaques são o já mencionado “Gardenia”, o groove pop de “Sunday”, a abertura com “Break into your heart” (com Pop a dar as boas-vindas ao ouvinte com a frase “I’m gonna break into your heart/I’m gonna crawl under your skin” e um delicioso e datado sintetizador a salientar-se), e a semi-balada pop de “Paraguay”, um tema cansado e falsamente ligeiro que desemboca numa guitarrada ao estilo dos Queens, que encerra Post Pop Depression.
Nas palavras de Josh Homme: “Ele é o último de uma série de pessoas únicas. Este disco é uma volta de consagração muito merecida para um homem que não tem a certeza se ganhou. Mas ganhou. Pode ter andado por muitos caminhos subterrâneos, mas chegou ao seu destino”.
Post Pop Depression pode não ser o melhor disco da longa carreira de Iggy Pop, mas é facilmente um dos mais autênticos e mais convincentes discos que este ano nos trará. Iggy pode, aqui, ter fechado a loja em termos de edições discográficas. Não ficamos nada mal servidos. O possível último testemunho de um homem cuja aura pessoal e artística sempre foi superior a muita da arte que produziu. Obrigado por tudo, Iggy, e também por este disco. Por nós, como disse Homme, tu ganhaste.