Quase 50 anos após os primeiros acordes psicadélicos que foram imagem de marca entre 65-70, eis que esses mesmos acordes voltam a sentir-se cada vez mais. Não estamos em plena guerra do Vietname, não há revoltas estudantis nem raciais. Não há sequer uma febre pelas drogas alucinogénicas. Não estamos na loucura da “Madchester” que abalou Inglaterra no início dos anos 80 com a célebre Haçienda com o som dos Happy Mondays.
A chamada segunda vaga do psicadelismo trouxe nomes como os Primal Scream, Spacemen 3, Porcupine Tree, Orb, Robyn Hitchcock, Julian Cope ou Bevis Frond no Reino Unido, enquanto nos Estados Unidos a resposta foi dada com os Chesterfield Kings, Dream Syndicate, Fuzztones, Green on Red, Fleshtones, Long Ryders ou Mazzy Star.
Também não é o regresso dos Kula Shaker que pareciam uns aliens no meio da histeria da Britpop. Não chegando a ser uma terceira vaga temos também os nomes dos Brian Jonestown Massacre, dos Warlocks ou um bocadinho dos Dandy Warhols.
O que se passará então para a chegada da verdadeira terceira vaga psicadélica?
Com o Indie Rock a dar as últimas, começam a surgir outras tendências. Há quem tente acalmar e virar-se para um lado mais folk e introspectivo e há quem procure outras paragens, onde sonhos, literatura, imagem, som se misturam. E este é um mundo que pode brilhar pouco tempo mas quando brilha é tão intenso que ofusca tudo à volta.
Apresentamos em seguida alguns nomes que estão na vanguarda da nova psicadélica. Apertem os cintos e metam os vossos óculos 3D. A viagem vai começar…
Como não podia deixar de ser, os australianos Tame Impala tinham que encabeçar esta lista. Eles são, possivelmente, os grandes responsáveis por esta vaga psicadélica em plena segunda década do Séc. XXI. Não terão sido os primeiros (os Flaming Lips andam nisto há anos) mas tal como os Beatles não foram os primeiros a experimentar mas sim a liderar, também a banda de Perth está à frente do “movimento”. Já com dois discos na carteira vai ser interessante ver como vai ser o resto da sua carreira.
Partilhando algum do seu DNA com os Tame Impala, os Pond, também eles australianos, começaram ainda antes da banda que mais tarde lhes deu maior relevo. Com uma discografia rica, 5 discos de originais, os Pond são uma banda em constante mudança, seja física (estão sempre a trocar de músicos), seja sonora. Partilham da mesma água australiana que deve estar contaminada com ácidos mas aos Pond o lisérgico deu para mais agressividade nas guitarras. Um novo disco está já planeado. A ver atentamente no Optimus Primavera já este ano.
MELODY’S ECHO CHAMBER
Continuando em “terra” de Tame Impala, temos a namorada do líder, Kevin Parker, a belíssima francesa, Melody Prochet que largou a sua banda My Bee’s Garden pelos braços do australiano e o resultado viu-se no final de 2012. Uma pop bastante psicadélica com vários traços da guitarra de Kevin Parker a dar um contraste bastante feliz à voz doce de Melody.
Como Kevin Parker não gosta de ficar parado, eis que ele surge a produzir mais um grupo de franceses, os Moodoïd, do qual faz parte Pablo Padovani, guitarrista da banda de Melody Prochet. Tudo parece interligado mas não copiado. O som destes franceses tem também a sua própria escola e de Kevin Parker só se nota mesmo a produção mais espacial.
Continuando em França, mais concretamente em Rennes, encontramos os Sudden Death of Stars, formados em 2009, e que preferem ser chamados pelos números 83 a 87 em vez dos seus nomes próprios. O seu som é dominado pelo uso da sitar e as suas influências são de bandas como os Fairport Convention ou os Rain Parade. Em 2011 lançaram o seu primeiro e único disco, Getting Up, Getting Down, reeditado 2 anos depois pela editora Ample Play.
LA FEMME
De Rennes viajamos para Biarritz de encontro aos La Femme, banda criada por Sacha Got e Marlon Magnée, aos quais se juntaram mais membros, incluindo a vocalista Clémence Quélennec. O seu som é descrito como sendo uma mistura hipnótica entre Velvet Underground e Kraftwerk. No início de 2013 lançaram o seu primeiro disco, Psycho Tropical Berlin.
BED RUGS
Na fronteira de França, mais concretamente na Bélgica, encontramos outra banda psicadélica de destaque. Bed Rugs é o seu nome e é no pop psicadélico anglo-saxónico que a banda encontra o seu porto de abrigo. Já com dois discos em carteira, 8th Cloud e Rapids, o conjunto belga mistura a pop dos anos 60 com o movimento psicadélico dos 90s celebrizado pela editora Elephant 6.
Continuando no tridente Benelux, não podíamos deixar falar de um dos maiores nomes da nova vaga psicadélica, Jacco Gardner. Ele, que vai buscar a inocência de Syd Barrett e junta-lhe as harmonias e as texturas dos Zombies, trouxe no seu primeiro registo, Cabinet of Curiosities, um dos melhores discos de 2013. A qualidade do seu trabalho não engana e promete ser um dos nomes que irá perdurar mais tempo desta nova vaga.
Saindo da Holanda e atravessando pelo país que nos deu o Krautrock, filho do movimento psicadélico, entramos na Escandinávia, mais concretamente na Dinamarca, onde vamos encontrar os Pinkunoizu, descendentes do movimento acima falado. Os Pinkunoizu, nome difícil de pronunciar, já vão no seu segundo disco, começando agora a ganhar alguma notoriedade, especialmente devido ao seu último trabalho, The Drop. Com músicas quase todas acima dos 5 minutos, os dinamarqueses dão-nos “jams” longas e futuristas num ambiente muito electrónico.
Ao atravessar a Ponte de Øresund chegamos à Suécia e ao som fantástico dos Goat, uma das bandas revelações do ano passado e que está na linha da frente da nova vaga psicadélica no que diz respeito a originalidade. Eles que se dizem originários de Korpilombolo, uma terra a norte da Suécia que, segundo reza a lenda, tem um culto de vodu por lá ter vivido uma bruxa. Dizem ainda que a banda já existe há mais de 30 anos e que conta agora com três membros da formação original. Realidade ou mito, a verdade é que os Goat tocam um som que parece que veio directamente do Haiti ou de alguma selva africana no Benim e alguém levou guitarras e baterias e ácidos e deu-se uma misturada que deu neste World Music, primeiro disco da banda. Uma espécie de Afro-Beat regado a ácidos.
E do psicadélico sueco passamos para o português. E que orgulho é sentir que temos uma banda ao mesmo nível que outras no estrangeiro e a cantar na língua de Camões, o que nem sempre é fácil. Tomás, Salvador, Manuel, Domingos e Francisco conseguiram nestes últimos anos trazer algo diferente para o rock nacional e podem, eles próprios, começar a ser os líderes da nova vaga de música portuguesa que está prestes a rebentar em Portugal. Estamos com fé.
Num campo mais folk pastoral temos os Beautify Junkyards, projecto paralelo conduzido por João Branco Kyron dos Hipnótica. A banda decidiu fazer uma pausa por tempo indeterminado e quatro dos seus elementos foram para o campo com um estúdio portátil e ver o que dali vinha. Dessa primeira sessão saíram algumas canções, que acabaram por ser editadas pela editora especializada inglesa Fruits de Mer. E que, tanto gostou, que pediu mais. O disco foi gravado, não em nome dos Hipnótica, mas sim homónimo, dos Beautify Junkyards. E isso justifica-se. Não apenas porque o som é diferente da banda que lhe deu origem, mas também porque criou uma identidade sonora bem marcada, e que merece ser acarinhada, por si. Nove versões, ou covers, entre temas conhecidos e outros mais obscuros, respeitando apenas o gosto da banda, como deve ser. Tudo é coberto de um doce e vagamente narcótico manto de folk. Acústico, pastoral, íntimo, pessoal, com muitos pequenos pormenores sonoros que não enchem por encher, mas salientam este ou outro aspecto.
Na sua página do facebook pode ler-se: “Surf was up, but we were down” e daí podemos logo perceber que a onda psicadélica deste quarteto nacional não é sobre flores no cabelo e paz e amor mas sim mais instrospectiva e crua. O seu som assemelha-se ao rock de garagem dos anos 60 com crueza nas guitarras e bateria mais seca. Podia, facilmente, fazer parte de qualquer colectânea de nuggets dessa altura. Com três músicas lançadas em Outubro do ano passado, aguardamos com entusiasmo pelo seu primeiro disco de originais.
E do Rock de Garagem passamos para o industrial e electrónico. Os 10 000 Russos, banda com nome escolhido numa noite de copos, é formada por Pedro Pestana, mentor único do projecto Tren Go! Sound System, na guitarra, e João Pimenta, vocalista de vários projectos. São do Porto e têm um som influenciado pelo rock psicadélico mais experimental como os Silver Apples, com forte carga de Krautrock misturada aqui e ali com Stoner. Com quatro músicas editadas no formato invulgar de casette, o duo é responsável por tudo o que acontece na banda, desde o artwork (feito pela namorada de João Pimenta) até ao agendamento de concertos.
Com um EP lançado em 2010 contendo 5 músicas, Alek Rein, personagem criada por Oriano, heterónimo de Alexandre Rendeiro, é um filho (neto?) dos anos 60 com influências de Syd Barrett, Fairport Convention ou Country Joe & The Fish.
Com um pouco mais de experiência do que a maior parte das bandas que aqui se tem falado, os lisboetas Gala Drop são um, de certa forma, o alien do psicadelismo. Misturam ritmos tribais, electrónica e muito experimentalismo na sua música, fazendo lembrar aqui e ali o som que Santana tinha nos seus primeiros discos, o que os fez estar sempre um pouco à margem dos projectos nacionais que iam surgindo. Até agora. Com o primeiro disco lançado em 2008, contam já com 3 trabalhos em carteira.
Os JUBA são uma nova banda lisboeta formada por um grupo de quatro rapazes: João Isaac (bateria), Joel Lucas (guitarra, teclado), Miguel Marinho (guitarra) e Tomás Frias (baixo, voz). Lançaram no ano passado Mynah e o disco tem uma base rítmica que vai buscar muito do que nela se ouve ao krautrock, mas sobre a qual assenta um psicadelismo estranho, que utiliza elementos do estilo de guitarra do surf rock e a estética da dream pop para criar uma espécie de novelo de experiencialismo banhado em reverberação, onde todas as diferentes camadas se congregam perfeitamente e de onde surgem viagens inesperadas (por selvas, céus e quem sabe mais o quê…).
Os portuenses Spy on Mars trazem-nos um som mais drone rock ou como os próprios dizem: “charme lo-fi Punk com sonoridade Psych”. “Sunny Hell” é o seu primeiro cartão de visita e o seu som fica-nos nas entranhas da memória durante algum tempo.
Seguem-se os Asimov, banda do Cacém que nos traz um psicadelismo forte e duro, algures entre o stoner, espacial e a piscar o olho ao metal. Uma mistura de Hawkwind com Black Sabbath dos primeiros discos. Os riffs poderosos e a voz grave não enganam, aqui as flores e os pastos belos não entram mas no lugar deles vemos robots e naves futuristas e fábricas de produção massiva.
(continua…)