No pós-revolução viveram-se tempos férteis para a criação artística e tiveram-se muitas discussões e muitas lutas – A Cantiga É Uma Arma foi uma delas, materializando a inquietação da revolução
Era maio de 1974 e estavam em casa de Fausto Bordalo Dias, em Almada, numa sessão de canções revolucionárias. José Mário Branco, Afonso Dias e Tino Flores. Viviam há um mês em democracia e a liberdade fervilhava-lhes no sangue. Eram tempos férteis para a criação artística, porque a inquietação da revolução tinha de ir para algum lado, tinha de se materializar, tinha de ser cantada. A liberdade tinha de ser cantada. Dançada, projectada, exposta, publicada. A liberdade tinha de ser gritada a várias vozes – e os valores de Abril também.
Com a designação inicial de Colectivo de Acção Cultural (CAC), foi fundado, nessa noite, o Grupo de Acção Cultural – Vozes na Luta (GAC), em nome da luta antifascista e do povo, contra a opressão capitalista e burguesa. Os tempos conturbados do PREC promoveram o uso da canção popular e da música como arma da liberdade e da democracia, tendo este grupo de artistas assumido o princípio como uma missão. Ao longo dos anos, foram saindo nomes do projeto e entrando outros, nomeadamente Adriano Correia de Oliveira e José Afonso, mas o manifesto foi sempre sido cumprido.
Primeiramente lançando apenas singles, em 1975, é lançado o primeiro LP do Grupo, uma compilação do trabalho editado até então. Composto por 17 faixas, A Cantiga É Uma Arma é um disco de música de intervenção feroz, convicta e crente na possibilidade de um país mais justo e mais livre. Empregando diferentes instrumentos tradicionais portugueses e melodias diferentes, mas coerentes no contexto de reivindicação, o disco é, hoje, um importante documento histórico que reflete o ambiente social do país. Há canções sobre a luta contra a burguesia, há letras antifascistas, há relatos de greves e de revoltas de operários e de camponeses.
Entre 1974 e 1978, ano em que terminou, o Grupo de Ação Cultural – Vozes na Luta lançou quatro discos (os dois primeiros sobretudo focados na música de intervenção, os dois últimos mais virados para a recuperação do cancioneiro popular português), fez centenas de sessões de canto de norte a sul do país, em locais como campos e fábricas, e participou no Festival da Canção em 1975, em nome de José Mário Branco, com a música “Alerta!”, que faz parte deste disco. O pós-revolução teve muitas ideologias, muitas discussões, muitas propostas, muitas lutas. A Cantiga É Uma Arma é uma delas.