“Laughing and not being normal” é a primeira faixa de Art Angels, o quarto álbum de Claire Boucher, mais conhecida por Grimes. Influenciada por estilos que variam desde o synthpop ao k pop ou música medieval e por artistas como Brooke Candy ou Cocteau Twins, passando por Drake ou Lana del Rey, celebra a sua singularidade da maneira mais maximalista até à data.
Desde o lançamento do seu primeiro álbum, Geidi Primes, até ao muito aclamado Visions, de 2012, fomos habituados a camadas e loops da sua voz suave e frágil, que criava uma atmosfera etérea, melancólica e sombria. Art Angels é diferente. É mais risonho, mais pop, mais exaltado. As influências da pop oriental são ainda mais evidentes. É um enaltecimento à tristeza e ao desgosto amoroso; é um grito feminista e uma crítica ao sexismo na indústria.
Em Art Angels, Grimes ganha uma nova voz. Poucos são os jogos que faz com loops e sobreposições de vozes, quase inexistente é o ambiente encoberto que até então conhecíamos. Porém, esta parece ser a progressão natural do seu trabalho anterior. Boucher continua original: é música inédita segundo os seus padrões e é algo substancial. Deparamo-nos, então, com uma voz poderosa e cristalina, como em “Kill V. Main”. Anunciada via Twitter como uma das faixas favoritas da artista, é uma condenação a um mundo hegemonicamente masculino e, muito provavelmente, a crítica mais direta ao machismo, obviamente sentida por Grimes enquanto artista feminina, como já o demonstrou em entrevistas. Começa com um sample tipicamente 8-bit, assemelhando-se aos primórdios das consolas de jogos dos anos 80 e 90; surpreendemo-nos quando se desprende disso e se torna numa invulgar amálgama de sensualidade e agressividade. Em “Scream”, Boucher grita, Aristophanes rappa numa língua que não entendemos; ainda assim, em menos de dois minutos e meio somos arrebatados pela intensidade das texturas. Grimes tem essa capacidade de nos alevantar os espíritos. O que produz é um convite à dança (“Venus Fly” com Janelle Monaé), à celebração e à indiferença perante a opinião alheia (“And I don’t care anyway”, canta Claire num dos singles, “Flesh Without Blood”). Art Angels é mágico pelos seus pormenores. Há uma certa dinâmica que acentua a discrepância entre os fins e os inícios das faixas. Nunca anteciparíamos que “Venus Fly” fosse explodir até ao segundo 15, momento em que se torna uma das mais dançáveis, mais hiperbólicas do álbum: no fundo, um sumário da perspetiva t.A.T.u que nele ecoa.
“Oh, it’s perfect / it could be anything out there / Butterflies flying in the air!”, canta Grimes na última música do álbum, mais uma vez celebrando a sua peculiaridade. Há harmonia em tudo, canta-nos Boucher agora no seu familiar falsetto, com um beat relaxante, reminiscente de algo que ouviríamos a meio do crepúsculo duma qualquer tarde amena de verão. Há, de facto, mesmo que seja tão inconvencional como Grimes a pintou, ou pelo menos é isso que sentimos ao ouvir Art Angels.