O verão chega e os dias alargam-se, as noites quase que se escondem e o sono foge-nos das mãos. A cama, essa, está transformada num autêntico campo de batalha. Horas e horas a fio, debatemo-nos com os cobertores numa guerra interminável, abrimos e fechamos janelas, nadamos pelo colchão em busca de posição, ligamos e desligamos a luz e os olhos. Até que por fim nos chega o elixir: um pequeno holandês cujas melodias açucaradas e místicas nos prometem embalar num sono tranquilo que cheira a musgo de floresta.
O seu nome? Jacco Gardner. O misterioso neerlandês viu o seu nome plantado na boca do povo em 2013, com a chegada do misterioso e belo disco de estreia, Cabinet of Curiosities – uma coleção de músicas embrulhadas em doçura e mistério, um misto de melancolia e fantasia roubada de um conto de fadas qualquer que nos leram em crianças e que simultaneamente nos assustava e fascinava. Volvidos apenas dois anos, Gardner ouviu os nossos clamores e regressou para nos embalar.
A magia ainda é palpável. Depois de uma boa noite de sono, Jacco cresceu a olhos vistos e entrou na idade adulta. Se Cabinet of Curiosities ainda se prendia com o sabor de uma certa nostalgia de infância, o mais recente trabalho, Hypnophobia, ergue-se repleta de segurança e certeza de quem já não olha para trás.
Jacco já não é aprendiz. As suas influências já não o prendem, muito pelo contrário: delas retira sem vergonha os ingredientes necessários para uma mistura completamente sua. Observamos no resultado final tanto um pouco de psicadelismo mais maduro, arrancado dos gigantes dos anos sessenta e setenta, como algumas ideias emprestadas pela vaga psicadélica mais recente, apontando como possíveis suspeitos Temples ou Foxygen. No entanto, é a magia com que acaricia as cordas e entoa ao nosso ouvido letras como “don’t fight the feeling, just let it in / you know you need it like the sunlight on your skin” que não nos deixa esquecer o seu nome.
Letra esta do single “Find Yourself” que liderou a entrada do disco na consciência pública, uma faixa que, como muitas das que vemos aqui, se vêm completamente despidas de adereços desnecessários – são quase todas criminosamente simples e não se aventuram por trilhos mais complicados ou cavernas sem luz. No entanto, é esta mesma simplicidade que lhes dá toda a sua beleza – e a mestria com a qual Gardner consegue tecer melodia após melodia, acorde após acorde, verso após verso sem grandes complicações é tudo o que precisamos para respirar fundo e saber que, esta noite, estamos em boas mãos. Um disco para relembrar em anos vindouros? Talvez não. Mas de vez em quando talvez dê jeito meter a tocar o psicadelismo barroco de um pequeno holandês cujas melodias açucaradas e místicas nos prometem embalar num sono tranquilo que cheira a musgo de floresta.