Olhando Dookie já com a devida distância do tempo, e longe da adolescência com que foi vivenciado na altura, continua a ser um grande álbum.
Ainda no fim do ano passado fez-se aqui no Altamont um Especial Punk, especificamente dedicado ao ano da explosão do mesmo (1977). Debruçámo-nos então em vários discos que fazem hoje parte da história, não só desse movimento, mas da música em geral, influenciando correntes e géneros que entretanto apareceram, culminando no histórico dia em que Nevermind destronou Michael Jackson do topo da Billboard. Nessa mesma altura, uns desconhecidos de um subúrbio californiano lançavam o seu segundo álbum, Kerplunk. Tudo batia certo com o ethos punk – uma editora independente e minúscula, os concertos num pequeno clube que promovia bandas emergentes, sonoridade influenciada por bandas como Sex Pistols, Stiff Little Fingers, Ramones, o clássico três acordes e siga a banda. O êxito dos Nirvana terá alimentado sonhos mais ambiciosos dos amigos de infância Billie Joe e Mike de também um dia chegarem mais longe.
O destino quis que assim fosse. Tiveram de superar serem banidos do Gilman por se terem vendido, tiveram de mudar de editora (tal como os Nirvana precisaram de passar da Sub Pop para a Geffen para chegarem a todo o lado), tiveram de reunir com executivos (boriiiing…) e arranjar um produtor que lhes agradasse (Rob Cavallo) e lá esgalharam Dookie. O êxito não foi instantâneo, o punk por essa altura ainda estava dado como peça de museu e tirar o pó ao sarcófago não era tarefa nada fácil. Beneficiaram sobretudo de dois eventos – o concerto em Woodstock em 1994 e a alta rotação do videoclip de “Basket Case” na MTV. O mainstream, entretanto órfão de Cobain e já saciado do momentum grunge virou-se para o punk dos Green Day, Offspring, Bad Religion, criando mais um galho na árvore – o pop punk.
Se no caso das bandas que puseram Seattle no mapa já tinha dado frisson a questão de se terem vendido, neste caso o busílis foi ainda maior. A confraria punk tem um código de ética bem definido e claro, e quem quebra as regras é excomungado para sempre. John Lydon (aka Johnny Rotten) foi um dos primeiros a questionar a sua veia punk, ainda hoje afirmando que o seu legado é nulo, quando comparado com quem quebrou as portas do regime instaurado no final dos anos setenta. Não haja dúvidas que a mensagem que se encontra nas letras dos Green Day são bem menos ambiciosas e anti-regime do que dita a cartilha punk, mas os tempos eram outros, as lutas eram outras. “Do you have the time/To listen to me whine?” mostra ao que vêm estes tipos, a anos luz de um “No future for you!”. É que entretanto passaram-se cerca de 18 anos e falamos de uma geração completamente diferente, e os Green Day souberam apelar aos adolescentes da sua altura, aos seus problemas e dificuldades, e nem todos o conseguem fazer de uma forma aparentemente juvenil, mas honesta e séria na sua índole.
Dookie está recheado de malhas emblemáticas – para além de “Basket Case” temos “When I Come Around”, “Welcome to Paradise”, “Burnout”, “Longview”, “She”, qualquer uma delas por si só vale um álbum de muitas outras bandecas que hoje proliferam. Têm energia a rodos e ganchos que nos agarram e nos fazem voltar a ser adolescentes durante os 38 minutos que dura o álbum. E ser adolescente envolve piadas parvas e imaturas, envolve dar pontapés em caixotes do lixo, envolve masturbação, envolve ansiedade, envolve entrar numa guerra de lama com alguem (ver video de Woodstock mais acima). Patéticos para uns, mas puros e com gana de se mostrarem.
Entretanto os Green Day tornaram-se uma banda de arena rock, com pirotecnias a rodos, entretenimento para o público, conseguiram voltar a tocar no Gilman 22 anos depois, todos os membros da banda são pais de adolescentes e apesar de muitos dos punkers originais lhes torcerem o nariz, têm todo o mérito de estarem onde estão. Dookie figurará sempre em qualquer lista de álbuns punk que se preze.