Um disco que é uma amálgama cultural deliciosa, constituído pelos temas de um musical escrito pelo vocalista de Bloc Party: uma história de amor entre um nigeriano e um americano, tendo como pano de fundo o cenário turbulento do Brexit e um futuro incerto.
Kele Okereke, a voz de Bloc Party, regressa com mais um trabalho a solo que é uma delícia de se ouvir. “Leave to Remain” não é mais do que as canções de um musical criado por Kele e que esteve em cena em Londres, sobre a paixão e relação entre um jovem nigeriano e um americano que não tem visto, tendo como pano de fundo o cenário turbulento do Brexit, que torna esta história de amor incerta.
Desde a primeira faixa, “Oi and Alex Theme”, que Kele nos mostra ao que vem. O tema, curto e praticamente só instrumental, é uma mistura interessante entre a música de dança, o estilo mais habitual de Kele a solo, e música tradicional nigeriana (ou africana). Logo a partir desses primeiros 1:50 minutos percebemos que o disco vai ser um caldeirão das influências da educação de Kele, da música que ouvia em criança (é de origem nigeriana) com aquilo que o caracteriza e distingue como músico. Tudo isto, claro está, pautado pela voz característica e muito distintiva do vocalista de Bloc Party.
“Not the Drugs Talking”, a faixa que se segue, é uma mistura entre Bloc Party (sobretudo do segundo disco) e Tenderoni. “The Proposal”, a minha canção preferida do disco, é um cruzamento muito feliz entre as já referidas influências nigerianas e a música eletrónica (o que encontramos novamente em vários temas, nomeadamente em “Shame”, outra das minhas preferidas, onde novamente se conjuga na perfeição a influência africana com a britânica).
“The Sea Between Us” é das faixas mais parecidas com Bloc Party e onde, em cada palavra, se sente a ansiedade e sofrimento de uma possível separação. Em “No Blue Skies” Kele aventura-se na batida eletrónica e no xilofone e voltando a ir buscar África, em “To Family” conseguimos imaginar uma versão remixada a fazer explodir a pista de dança, e em “The Fight” a guitarra dedilhada marca o ritmo do ciúme e da discussão. “More than you know” soa a Bloc Party mais recente e é mais uma das faixas que, remixada, pode fazer sucesso na pista de dança. “Leave to Remain”, que dá título ao disco, volta a ir buscar as influências africanas, mas desta vez em tom alegre, de definição e resolução.
Destaque ainda para faixa que fecha o disco: uma versão deliciosamente infantil e alegre de “This Modern Love”, um dos temas mais emblemáticos de Bloc Party.
Este disco é uma amálgama cultural deliciosa, um cruzamento entre diferentes culturas e sonoridades que funciona na perfeição – e, tendo sido criado já com a intenção de contar uma história, uma vez que tem como base um musical, somos perfeitamente levados pela narrativa, presos nas palavras de Kele e na evolução da história que se sente nas diferentes músicas.
Este é o que de melhor Kele nos apresentou a solo – e de uma maturidade e consistência que não encontrámos em nenhum dos discos de Bloc Party. Apesar do disco não ter, isoladamente, canções absolutamente memoráveis e que, provavelmente, em breve já não nos recordemos delas, o resultado final é enternecedor e fruto de um trabalho de criação muito interessante de Okereke.