Na sua estreia em nome próprio em Portugal, os Fontaines D.C. confirmaram o seu estatuto de uma das mais interessantes bandas da atualidade, mas não deram o concerto do ano.
O Campo Pequeno efervescia na expectativa de ver Fontaines D.C. na sua estreia em nome próprio em Portugal. Romance, o divisivo quarto álbum lançado em agosto justificava a grandiosa visita – afinal, um álbum que suscita tantos e tão apaixonados comentários deve ser celebrado à altura. Se, por um lado, alguns defendem que o novo trabalho cimentou o estatuto dos Fontaines D.C. enquanto a mais relevante banda de rock alternativo dos últimos anos, outros ficaram desiludidos com o álbum cujos singles tanto prometeram, ressentindo-se demasiado da mudança de sonoridade e argumentado que, na tentativa de disparar em demasiadas direções, a banda falhou o alvo, e não entregou a esperada obra-prima. No entanto, ninguém faltou à chamada e todos marcaram presença na festa – os que só agora chegaram e estão felizes por descobrir tudo, os que estão curiosos para ouvir os novos temas ao vivo, mas para quem Skinty Fia e A Hero’s Death ainda estão demasiado frescos na memória, e aqueles que ostentam orgulhosamente t-shirts da época de Dogrel.
Dizíamos, portanto, que a antecipação era palpável dentro do Campo Pequeno, depois de terminada a primeira parte, da responsabilidade dos ingleses Wunderhorse. A plateia (esgotada), progressivamente mais compacta, borbulhava com uma energia mal contida. Uma longa cortina branca ocultava a montagem e a preparação do mise-en-scène em palco enquanto, nas colunas, The Smashing Pumpkins, Shame, Slowdive, Prodigy e Bill Ryder-Jones ajudavam a criar o ambiente.

“Romance” foi a escolhida para abrir o concerto, tal como abre o álbum com o mesmo nome. Ainda com a cortina entre nós e a banda, ouvimos apenas enquanto os músicos reproduziam o instrumental cinematográfico, fiéis à versão gravada. O som estava ótimo e, sobretudo, alto (levaram tampões?). “Maybe romance is the place for me and you” – sugeriu-nos a silhueta de Grian Chatten desenhada com luzes verdes no tecido que guardava ainda a banda. Introdução perfeita. A ovação entusiasmada, a primeira da noite, acompanhou o momento em que (finalmente) caiu o pano e o público pôde ver o palco onde já estavam os Fontaines D.C., perfilados, em frente a um coração insuflável como aquele que surge na capa do disco que nos vieram mostrar. Sem perder tempo a conversar (seriam muito poucas as palavras que ouviríamos da boca da Grian e companhia), partiram imediatamente para o maior sucesso do disco anterior, “Jackie Down The Line”, e depois para “Televised Mind” e “Lucid Dream” de A Hero’s Death.
A setlist agradou à plateia elétrica que respondeu sem hesitação aos reptos de Grian ou mesmo sem ser necessário este pedir nada. Em “Jackie Down The Line” as primeiras filas fizeram os “la la la” do coro antes do refrão com uma entrega bem superior à do vocalista e assim que os versos rápidos de “Lucid Dream” começaram a ser debitados por Chatten, já se vislumbrava uma tentativa de moshpit. Era a terceira música, para onde é que iriam crescer a partir dali?
O concerto continuou no mesmo nível, não tanto devido ao esforço da banda para quem, apesar da performance impecável, parecia não fazer diferença estar a tocar em Lisboa ou em qualquer outra capital, mas pela energia incansável da audiência, que passou o espetáculo a devolver em dobro o que recebia dos artistas. Mais temas de Skinty Fia deram lugar a temas de Romance e foi só quase a meio do concerto que Grian Chatten se dirigiu à audiência numa pausa para trocar de instrumentos entre canções – “Olá, nós somos os Fontaines D.C., libertem a Palestina”. Não querendo subscrever a escola de que num concerto tem de haver conversa – estamos ali é para ouvir música – achamos que o público lisboeta já tinha, àquela altura, dado mostras de merecer algum tipo de reconhecimento mais significativo do que um olá e uma mensagem política (por muito meritória que seja) metida a martelo.

A segunda parte da apresentação foi mais dominada por Romance, mas não descurou algumas pérolas antigas. “Here’s the Thing” foi recebida com o mesmo entusiasmo que “Big” ou “Boys in The Better Land” de Dogrel, prova da heterogeneidade do público. Essa variedade ficou também demonstrada em “Horseness Is the Whatness”, o mais perto que o concerto teve de uma balada, que teve direito a lanterninhas de telemóveis a serpentear ao ritmo da canção, estilo concerto de Coldplay (mas isto não era um concerto de pós-punk?). Terminaram com “Favourite”, outro dos pesos pesados dos temas novos, que Grian dedicou ao público lisboeta – será que fomos os favoritos dos Fontaines D.C. por um bocadinho? Terminada a épica última canção de Romance, a banda agradeceu (pela primeira vez) e saiu deixando o Campo Pequeno a clamar por um encore.
Se “In The Modern World”, que se seguiu à curta e costumeira pausa, não foi o melhor momento do concerto não terá estado muito longe. Parado junto ao seu microfone a meio do palco, Grain Chatten pareceu, pela primeira vez, frágil e a querer de facto dizer aquilo que estava a cantar. Sem os óculos de sol que usou até ali e num palco com menos artifícios cénicos (as cortinas atrás do palco que subiam e desciam pararam para o encore), a entrega do vocalista fez-nos voltar à primeira vez que vimos os Fontaines D.C. no Nos Alive de 2022, quando ainda não estavam a tentar emular uma banda pop-punk dos anos 90. “I Love You”, logo a seguir, manteve a energia crua e orgânica. Os versos mais falados que cantados foram ditos entre vocalista e fila da frente num crescendo instrumental irresistível, finalmente próximos da desejada relação simbiótica que se estabelece por vezes quando a música o merece entre o artista e o seu público. No fim não havia quem não se mexesse no mar de gente que os Fontaines D.C. tinham à sua frente. Houve, afinal, redenção.

O concerto terminou com “Starbuster”, o single explosivo de Romance, para o qual Grian voltou a refugiar-se nos seus óculos de sol, como se existissem dois de si, o que anda pelo palco com ar de vedeta e com poses de rapper enquanto diz os seus característicos versos falados, e o que tocou no Nos Alive há dois anos e quase não tirou os olhos do chão. Por agora ainda temos acesso aos dois Grians, às duas versões dos Fontaines D.C., a banda que poderá bem vir a liderar o movimento indie daqui para a frente. Resta saber se alguma destas personas irá prevalecer sobre a outra, se a curva no seu som iniciada com Romance continuará na mesma trajetória ou se farão outra inversão de sentido no futuro. A apresentação no Campo Pequeno veio confirmar o que todos já sabíamos, que os Fontaines D.C. são uma banda que deve ser vista ao vivo. Ainda assim será bom que não se deixem deslumbrar demasiado pela atenção porque é quase certo que o púbico lisboeta não vai estar sempre lá para segurar um concerto que, sendo excelente, tinha potencial para ter sido muito mais, tivesse a banda querido aproveitar a boleia. De qualquer forma, longa vida à nação irlandesa.
Alinhamento:
- Romance
- Jackie Down the Line
- Televised Mind
- A Lucid Dream
- Roman Holiday
- Big Shot
- Death Kink
- Sundowner
- Big
- A Hero’s Death
- Here’s the Thing
- Bug
- Horseness Is the Whatness
- Nabokov
- Boys in the Better Land
- Favourite
Encore:
- In the Modern World
- I Love You
- Starburster
Fotografias: João Padinha / Everything Is New



















