Em God’s Favorite Customer, Josh Tillman perdeu-se e é com uma simplicidade crua que procura a redenção e nos promete começar de novo.
Há cigarros mal apagados e muitas garrafas viradas, enquanto o fumo ainda paira. Nem sequer faz sentido que ainda haja fumo, mas o que é que faz sentido neste cenário. A luz entra pela janela e ilumina as roupas no chão do quarto de hotel onde vive há dois meses. Ontem não sabia do passaporte, parece que afinal foi deixado esquecido dentro do minibar. O porteiro também já o foi relembrar de que os colchões não são para serem deixados à chuva na varanda. Acorda desorientado, de roupa interior e camisa desabotoada, depois de uma noite de pouco sono, e tem dificuldade em levantar-se. Os lençóis há muito que estão caídos no chão, assim como um tabuleiro de serviço de quarto vazio. São muitas as perguntas, algumas pessoais, fruto da crise existencial vivida, outras de mera localização. É difícil distinguir o que é sonho e o que é realidade e a crescente neblina mental impede que se clarifiquem as memórias vagas. Terá o tipo da tatuagem na cara chegado a entrar consigo no quarto? Debate-se se quer acordar ou não – mas também, para quê, já não há whiskey. Como é que se calam os pensamentos ensurdecedores agora? Não consegue decidir se quer um suicídio coletivo, se um encontro terapêutico com os amigos. Mas está ótimo sozinho e pede que o deixem estar. Deus não aprovaria este estilo de vida.
Perdeu-se. As alucinações que vieram com a sua depressão não ajudam a que recupere tato ou o mínimo de respeito por si próprio. Padece de indiferença em demasia e parece já não conseguir sair da apatia perante quem tem por ele empatia (em excesso). É isso que acontece quando se entra numa espiral de autocomiseração, de onde nem o seu maior amor o consegue tirar. O conforto de não ter sequer de cuidar de si próprio parece ser mais forte do que a vontade de voltar para casa, na cabeça atabalhoada deste frágil ser. Mas ela está sempre presente. A Emma. Vive nos seus pensamentos, ao contrário das multidões chorosas que o ouvem cantar e que sentem todas as palavras vazias que lhe saem da boca. Palavras vazias mas que sempre expõe quem retratam, sem nunca pedirem perdão. Enfim, sabe que é um cabrão arrogante e que não merece a atenção de ninguém.
Sai para dar uma volta ao quarteirão. Cambaleante e ausente, lembra-se de que a última coisa que lhe disse foi que não aguentava mais. Vê o seu reflexo numa montra, de garrafa meio cheia na mão, e, por momentos, calça os sapatos de Emma, preocupados, sedentos de respostas. Respostas… também ele as procura, mas tem a cabeça ocupada com divagações sobre a condição humana. Casais perfeitos existem e estão em todo o lado – corajosos são os que admitem o desconforto, o incómodo, a angústia e a desilusão que às vezes vêm com o amor. Não é?
De cabelo caído na cara, tira um maço amolgado do bolso de dentro do casaco e acende um cigarro. É melhor regressar ao hotel, já escureceu. Tem duas opções: beber até ao delírio, como fez ultimamente, ou, por outra, pegar em si e escrever para se salvar. Despe-se de enfeites e romanticismos e admite que um mínimo olímpico de vulnerabilidade lhe tome as mãos, para que componham as dez faixas de God’s Favorite Customer. Por vezes, joga com sintetizadores fortes e pianos jazzísticos, mas são muitos os momentos de instrumental minimalista, em músicas que tocam no indie rock e no folk. Mas é com uma simplicidade crua e uma voz sofrida com espaço suficiente para ser ouvida que procura a redenção e promete começar de novo.