Mais um tiro enérgico mas repetitivo dos tipos mais zangados do Reino Unido.
Os Sleaford Mods, os nossos revoltados preferidos, já andam nisto há muitos anos, embora só tenham ganho verdadeira notoriedade com Austerity Dogs, de 2013. Foi esse o momento em que as peças se encaixaram: a dupla Jason Williamson (letras e voz) e Andrew Fearn (beats), a envolvente política cada vez mais deprimente, a atenção dos media.
Desde então, toda a gente sabe quem são estes tipos. Uns gajos zangados e amargos de Inglaterra, working-class até à medula, trocando o rock ‘n roll clássico por cheirar cola e beber cerveja quente numa garagem escura em Nottingham. O segredo está na atitude, na crítica social que não poupa ninguém, no sentido de humor sempre com um toque profundamente humano e por vezes escatológico, na energia que passa com tão pouco na base: uns beats repetitivos e um tipo irritado a falar/rappar/cantar por cima. Chega e sobra.
Com este caldo primordial, o último ano foi necessariamente inspirador para Williamson. Uma pandemia que atirou o mundo para o isolamento, para as redes sociais e respetiva esquizofrenia; e uma Inglaterra entregue ainda aos conservadores, sob a batuta do inapto Boris Johnson, cujo rumo errático deixou os ingleses com terríveis números de mortos, e à procura de motivos para culpar o NHS, que tanta pancada tem levado nas últimas décadas.
Spare Ribs nasceu deste caldeirão e o que surpreenda talvez é que não soe mais zangado do que trabalhos anteriores. Essa é uma das limitações dos Sleaford Mods: como estão sempre zangados, que tom usar quando o mundo rebenta com a maior pandemia distópica em mais de um século?
A prestação de Williamson continua afiada como sempre. Ninguém escapa às suas palavras cuspidas com desprezo e sempre com o seu flow de orgulhoso suburbano. Os conservadores, claro, todos os lordes da velha Albion, mas também os novos-ricos, apresentadores de trash tv e até os músicos que fazem campanhas para salvar as salas de música independente enquanto esperam ganhar visibilidade suficiente…para nunca mais tocar numa dessas pequenas salas a cheirar a cerveja e a suor.
As batidas de Fearn continuam minimais e nocturnas, entre o frenético e o groove mais lento mas não por isso menos maníaco, Neste disco, duas convidadas femininas trazem um pouco de bem-vinda variedade, mas isso não é suficiente para quebrar a monotonia coerente ao longo de Spare Ribs.
Esse é o problema deste disco e dos próprios Sleaford Mods, há muito detectado. A fórmula beats/voz irada tem as suas naturais limitações, e os rapazes têm-se limitado a afiná-la, sem a mudar fundamentalmente. Isto é também um statement artístico, a prática do desprezo por quem tenta armar-se em mais do que aquilo que é. Mas deixa os discos dos Sleaford Mods presos no mesmo registo e no mesmo momento mental.
Jason Williamson é um dos grandes poetas urbanos da actualidade, e uma figura incontornável na música independente britânica. Aqui, continua em grande forma, com pérolas hilariantes debaixo de um quase impenetrável sotaque cerrado. Talvez para um ouvinte inglês isso chegue. Para nós, o que fica no final de Spare Ribs é mais uma dose forte de energia e convicção, mas cujas músicas se perdem umas nas outras num todo que é de uma coerência de aço mas cujas subtilezas e diferenças entre as músicas se vão perdendo.
É preciso continuar a luta, e os Sleaford Mods estão sem dúvida no lado certo da força. Mas, musicalmente, cada vez se espera menos novidade para aqueles lados.