Um dos mais gloriosos registos ao vivo da história do rock n’ roll. A saga dos Deep Purple no país do sol nascente.
Há momentos na História da música que, como de um torno se tratasse, ajudam a moldar um estilo. As noites de 15, 16 e 17 de Agosto de 1972 em Tóquio e Osaka são disso prova.
O Budokan, na capital nipónica e o Festival Hall na congénere a sul não mais foram os mesmos após a passagem de uma das mais bem-sucedidas bandas que o rock britânico viu nascer.
Na senda do sucesso de Machine Head, os Deep Purple realizaram a sua mais lucrativa digressão que contemplou, no Verão de 1972, as duas mais importantes metrópoles japonesas.
Instigados pela editora discográfica responsável pela produção e distribuição do material da banda no Japão (representante da gigante americana Warner Bros. Records), a banda mostrara-se reticente à ideia do lançamento de um álbum ao vivo. Reacção extemporânea numa banda que se notabilizara sobretudo pelas suas actuações, deixando um lastro de uma vibrante sagacidade na sua performance.
Ultrapassadas as descrenças iniciais, e após longa discussão, os Purple finalmente consentiram a gravação das actuações mas impuseram três condições: o álbum apenas seria lançado no Japão; teria de ser editado pelos técnicos de som da banda e supervisionado pelo produtor Martin Birch.
O nome escolhido é a demonstração do desprezo depositado nesta realização. “Made in Japan”, cunhado pejorativamente nas décadas de cinquenta, sessenta e setenta, era sinónimo de uma produção de segunda categoria. Com efeito, conotação igual à que hoje o termo “Made in China” possui.
Aquilo a que os cerca de quarenta mil adolescentes japoneses assistiram nas três noites da segunda quinzena de Agosto foi, nas palavras de Jon Lord, “a band on the top of its game”.
Como era habitual em todos os concertos da digressão, o set começa com o ritmo sincopado de Ian Paice no preâmbulo de “Highway Star”, tema de abertura de Machine Head. Roger Glover presta-lhe auxílio esperando a entrada de Ritchie Blackmore que, fazendo gemer a sua Stratocaster, dá início à fúria vertiginosa em que se transforma a faixa, ao vivo. Ian Gillan, no seu estilo infant terrible, é o último a entrar em palco sacudindo os seus longos cabelos e bradando de forma estridente “I love her! I need her!” no estribilho.
Segundo tema: tempo para abrandar o ritmo? Aparentemente sim, mas não por muito tempo.
Uma espécie de transe apodera-se da plateia quando o tilintar dos pratos de Ian Paice acompanhado dos suaves acordes de Lord e Blackmore começam a ouvir-se. Considerado um dos «anti-Vietnam rock anthems» da década de setenta, “Child in Time” reveste-se de uma aura verdadeiramente impressionante. Os doze minutos que se seguem têm de tudo. Do solo virtuoso de Blackmore aos bramidos plangentes de Gillan (que ainda hoje ecoam no Budokan), tudo é uma lição de como tocar rock n’ roll. A interpretação da primeira noite no Festival Hall é sinónimo do inesgotável virtuosismo que todos os membros da banda detinham.
Terceira faixa (única do segundo concerto em Osaka), quatro acordes. Ainda hoje reconhecida, “Smoke on the Water” é um daqueles casos paradigmáticos que perfilham a simplicidade de uma composição melódica.
Segundo Blackmore, autor do riff, este havia-se inspirado na 5ª Sinfonia de Beethoven, alegando a eficácia da melodia do compositor alemão. A letra, escrita por Gillan, relata o episódio da deflagração de um incêndio no Casino de Montreux, em Dezembro de 1971, durante o concerto de Frank Zappa and the Mothers. A banda encontrava-se na cidade suíça a gravar o álbum Machine Head e assistiu a todo o evento. Nascia a lenda.
Mas voltemos a Made in Japan. “The Mule” é o mais apócrifo dos temas do alinhamento. Belzebú encapotado, a Mula parece exortar todos os membros da banda que, no respaldo de mais um memorável desempenho, se soergue e assenta arraiais no Olimpo do rock. Com efeito, Ian Paice é protagonista de um dos mais emblemáticos momentos do álbum, na sua bateria Ludwig. Oito minutos de um solo transcendental que ajudou a elevar o instrumento a um novo patamar na música ligeira.
“Strange Kind of Women”, do álbum Fireball, é a quarta faixa tocada. Ao estilo heavy blues, o tema agiganta-se na sua versão ao vivo. Longo solo de Ritchie Blackmore, seguido de um duelo entre este último e Gillan.
A tensão entre os dois, fora de portas, já se fazia notar há muito, mas no palco ambos uniam-se numa simbiose perfeita.
Os dois últimos temas da actuação, “Lazy” e “Space Truckin'”, são também dos que, ao vivo, são alvo de maiores transformações na sua extensão. A capacidade técnica da banda é aqui assoberbada pelo improviso de Lord e Blackmore que se deleitam com uma viagem etérea pelo seu próprio universo musical.
Quando lançado, no ocaso do ano de 1972, o álbum não contemplava dois dos temas também interpretados pela banda durante a digressão. “Black Night” e “Speed King”, ambos do registo In Rock, de 1970, passaram a figurar apenas nas versões comemorativas lançadas já na década de 90.
O álbum foi um verdadeiro sucesso de vendas em todo o mundo. Disco de platina nos EUA e no Reino Unido, teve um efeito catalisador no reconhecimento da banda, redefiniu padrões estéticos no rock, influenciando gerações de músicos nas décadas vindouras.