Lotta Sea Lice é um disco de um conforto íntimo que não revoluciona o som de nenhuma das partes mas que é uma adição bem conseguida à carreira até agora imaculada de Kurt Vile e de Courtney Barnett.
É o sonho molhado de qualquer fã do indie-rock que se preze: a junção em disco de Kurt Vile e Courtney Barnett, duas das vozes mais inspiradas dos últimos anos e que, até agora, nunca nos desiludiram com qualquer passo em falso.
É fácil de entender a razão pela qual Lotta Sea Lice, este disco colaborativo, era aguardado com tanta antecipação. Como eventualmente teria de acontecer, o disco foi acontecendo. Trocas de canções de um lado do mundo para o outro, demos, alguns períodos curtos de gravação e de ensaios, letras escritas em cima do momento em várias músicas.
A questão fundamental à partida era: vai soar mais a Vile ou a Barnett? Ou vai ser criada uma coisa totalmente nova? E, assim sendo, será superior à simples junção de dois grandes talentos com voz própria?
Na verdade, acaba por ser Vile a força mais dominante. Lotta Sea Lice tem, ambientalmente, mais daquelas preguiças slacker de Vile do que o rock letrado e relativamente mais enérgico de Barnett. O que não tem nada de errado e, de certa forma, ajuda a formar o carácter deste disco, a sua aura outonal e confortável, como uma tarde de um domingo frio passada em casa, no quentinho da flanela que ambos os músicos adoram.
Nos nove temas de Lotta Sea Lice há canções novas, sendo o grande destaque o arranque com “Over Everything”, escrito obviamente por Vile e marcado pela sua personalidade, com um brilho acrescido pela troca de vozes entre ambos. Outro momento alto está no acústico “Continental Breakfast”, escrito por Vile mas com a australiana a ser decisiva e dar um luminoso contraponto ao tom grave e arrastado do comparsa.
Há covers trocados, com Barnett a dar nova vida a um velho tema bem conhecido de Vile, aqui baptizado de “Peepin’ Tom”, e o americano a atirar-se a “Outta the Woodwork”, com a ajuda de Barnett. Há “Fear is Like a Forest”, uma versão de uma canção de Jen Cloher, a esposa de Barnett, o momento mais tenso e mais “Crazy Horse” de todo o disco. E há até, a fechar, uma versão de “Untogether”, das Belly, uma canção de que Kurt Vile muito gosta e que mostrou pela primeira vez à australiana, que se deixou conquistar.
Lotta Sea Lice é, assim, um objecto bem curioso e dotado de personalidade própria, que fica como mais um tiro certeiro de ambos os músicos. Não foi dado o salto para a criação de algo inteiramente novo e distinto do que Vile e Barnett têm feito, mas isso talvez fosse esperar um pouco demais.
O que nos fica é um disco caseiro, no sentido de familiar e confortável, a celebração de uma amizade musical. Lotta Sea Lice promete ser um bom companheiro para muitos fins de tarde, sem qualquer pretensiosismo de querer mudar o mundo, como aquela boa camisa de flanela que pode não ser o último grito da moda mas que ainda nos faz sentir muito bem.