A obra-prima gótica dos Cure: triste como a chuva a cair, grandiosa como o fim do mundo.
No final dos anos oitenta, o pós-punk gótico estava em vias de extinção. Apenas uma aldeia gaulesa resistia, os Cure, continuando a crescer em popularidade, talvez porque nunca aceitaram ficar fechados na gaveta gótica, namorando, sempre que lhes apeteceu, com a pop mais soalheira.
Mas em 1989 decidiram regressar às raízes, mergulhando de novo na sepulcral escuridão. Em boa hora o fizeram. Disintegration é uma das maiores criações do rock gótico e a incontestável obra-prima dos Cure. Disintegration foi um inesperado sucesso, com mais de três milhões de discos vendidos no mundo inteiro. Porque é que aconteceu esta anomalia? Porque a sua beleza é tanta que galgou as próprias circunstâncias históricas. Mesmo que o disco tivesse saído na pré-história, estamos convencidos de que não haveria teenager neanderthal que não o ouvisse no seu quarto.
Para Disintegration, a tristeza que há num coração adolescente é tudo; preciosa matéria-prima com que é construída a maior das epopeias. Por isso, as suas canções são longas, com épicas introduções instrumentais que agigantam a nossa infelicidade. Ouvindo Disintegration, sabemos que a nossa melancolia é nobre e a dos outros- plebeia. Os outros cometem a vulgaridade de só terem o coração um pouco beliscado. Nós somos os únicos que temos o coração despedaçado de cima a baixo. O absolutismo da nossa tristeza é a marca que nos distingue e eleva. A felicidade dos outros: baixa e grosseira.
Disintegration é tão triste e grandioso como a chuva a cair. Por isso, tudo soa como a própria chuva. Cada nota da guitarra e do baixo é clara e redonda como os primeiros pingos gordos de chuva que pingam na nossa cabeça. A bateria é fria e repetitiva como a chuva de inverno. O sintetizador é triste e esborratado como o limpa pára-brisas de um carro tentando, em vão, lavar a chuva. Muita desta música tenta abrigar-se debaixo do telheiro de “Atmosphere” e “Love Will Tear Us Apart”; mas tudo é tão belo e tão certo que sentimos que foram os Cure de 1989 a influenciarem os Joy Division de 1980, e não o contrário.
Ouvir, tantos anos depois, Disintegration, é sentir pena da vida adulta ter um dia chegado. Maldita serenidade e sentido de medida, que vieram sem ninguém os chamar. Quem nos dera chorar novamente debaixo da chuva, como se o mundo estivesse a acabar outra vez.