Em 2010, a ideia de um disco triplo de Joanna Newsom podia ser causadora de algumas dores de cabeça. A vocalista e harpista, dona das cordas, das teclas, e de uma voz particular – que gerava e ainda gera as mais diversas e criativas comparações, principalmente metendo imagens de bruxas, crianças, ninfas e fadas pelo meio – lançava o seu primeiro trabalho desde o astronómico Ys, de 2006. Seria fácil imaginar pela frente uma montanha de composições complexas, enormes, repletas de orquestras imponentes e de poemas longuíssimos. Afinal de contas, Ys tinha apenas cinco músicas: caso contrário, seria impossível respirar. A perspectiva de um disco triplo com temas a ultrapassar os dez, doze, quinze minutos certamente levar-nos-ia as mãos à cabeça.
Em vez disso, Newsom dedicou-se a fabricar Have One On Me, um disco que, apesar de, ao longo dos seus três capítulos, demorar-se por duas horas, nunca chega a cansar verdadeiramente. É muitíssimo mais discreto, menos pomposo e floreado: a orquestra sumptuosa de Van Dyke Parks dá lugar aos arranjos aguçados de Ryan Francesconi. E, por detrás das letras arrojadas, da harpa celestial, e de uma Newsom de voz surpreendentemente doce, esconde-se uma tela sombria, brutalmente honesta, simultaneamente arcaica e distante como real e frágil. E exemplo perfeito desta sobriedade é a sua faixa central, “In California”.
Embora ecoando vagas memórias de uma Joni Mitchell sentada à harpa aqui e ali, “In California” pertence única e exclusivamente a Newsom, e será certamente uma pegada bem funda que deixará assente na sua passagem pela música. As cordas tremem ao som do refrão mais orelhudo que Newsom alguma vez terá escrito: os versos são afundados em negrume pela voz simultaneamente frágil e sábia de quem a canta. A orquestra completa o que fica por dizer sem nunca ultrapassar a crueza das palavras de Newsom nem a melodia triste que desagua das cordas da harpa. Em oito majestosos minutos, Newsom esboça um retrato demasiado fiel da dolorosa experiência de ver uma relação a chegar a um precipício, completo com recuos e avanços e irracionalidades transformadas em poesia compreensível. As suas palavras são entendidas por um universo em silêncio. Quando canta “Well I have grown untidy forrows / Across my soul / But I am still a coward; / Content to see my garden grow / So sweet and full / Of someone else’s flowers”, esmaga-nos contra o chão. “In California” é um partir de coração do qual ninguém se conseguirá cansar.