Inserido na 3ª edição do Vale Perdido (sobre o qual tivemos o prazer de conversar com o seu organizador Sérgio Hydalgo), o concerto de Bonnie Prince Billy no Teatro São Luiz encantou pela sua simplicidade.
Sento-me na cadeira do São Luiz, no 2º balcão, à espera que o concerto comece e admiro a bela sala que é a Luis Miguel Cintra. Nem sempre temos esses minutos para observar o cenário que nos envolve, ou porque estamos a conversar com alguém, ou porque o lugar onde ficamos não nos permite ter esta vista panorâmica do local. No palco vêem-se apenas quatro microfones, um amplificador grande e outro pequeno, cenário bastante despido e que servirá para mostrar que, por vezes, menos é mais.
Sobem ao palco Bonnie Prince Billy e a sua banda, neste que é um regresso a Lisboa, à sala onde, em 2014, protagonizou um concerto memorável — demasiados anos e alguns álbuns depois. Apresenta-se em quinteto com Eamn O’Leary (bouzouki), Jacob Duncan (flauta e saxofone) e Thomas Deakin (guitarra barítono, clarinete, corneta), a quem se junta, um pouco mais tarde Nuala Kennedy (flautas).
A música começa, não reconheço a mesma (neste caso é muito difícil conhecer o que vem lá, dada a imensidão da obra de Will Oldham), observo os instrumentos em palco e o meu pensamento começa a vaguear – estes mesmos senhores poderiam muito bem ser uma trupe de músicos de séculos atrás, andando de aldeia em aldeia, a trazer boas (ou más) novas de outras paragens, cantando-as a quem se juntasse à volta de um coreto para os ouvir. Não há aqui artifícios, não há tecnologias, há apenas música acústica, um bardo que faz ouvir a sua voz e a sua mensagem, e um bater de pé, perfeitamente audível em todos os cantos da sala.
Por entre canções várias (reconheci duas do álbum anterior Keeping Secrets Will Destroy You (2023) – “Behold! Be Held” e “Queens of Sorrow” e três do mais recente The Purple Bird: “London May”, “Boise, Idaho” e a encantadora “The Water’s Fine”), Oldham partilhou ter uma coisa em comum com o público – ambos não gostamos dos americanos que vivem à nossa volta, num claro esgar de descontentamento com a situação actual do seu país, e que se encontra reflectido em grande parte nas suas letras. Admitiu mesmo, mais à frente, que por um lado até acaba por ser um bom momento para ser músico, uma vez que os eventos exteriores estimulam a procurar formas de os combater, através das canções. Oldham é conhecido pelo seu humor desconcertante, honestidade crua nas letras, tom enigmático e como tal houve, durante o concerto, momentos de introspecção, de silêncio quase reverente, e outros de entrega emocional mais intensa (mesmo faltando o estrondo de “I See a Darkness” ou uma das minhas preferidas recentes “Sometimes It’s Hard to Breathe”).
A mensagem perto do final foi muito simples: “Thank you for listening to live music because it only happens once.” Permito-me discordar. Fechei os olhos e recordei-me de estar naquele mesmo local em 2014, a ouvir “Easy Does It”. A música tem este efeito magnético, tornando as nossas vivências mais permanentes, mais marcadas na memória, à distância de um simples circuito neurológico. Num piscar de olhos pode ser Junho, e estar no Primavera no Porto. Ou ser Agosto, e estar em Coura. O tempo é linear, mas, por vezes, conseguimos moldá-lo à nossa vontade.
O Festival Vale Perdido prossegue nos próximos dias com concertos de Joanne Robertson, Heinali e Andriana-Yaroslava Saienko, entre outros, bilhetes disponíveis aqui.
Setlist:
Lay and Love
West Palm Beach (Palace cover)
They Keep Trying to Find You
London May
Strange Form of Life
Behold! Be Held!
Jolly One
Like It or Not
In Good Faith
Today I Was an Evil One
Queens of Sorrow
Why Is the Lion
The Water’s Fine
Boise, Idaho
Blood of the Wine
The Brute Choir / New Partner (Palace cover)
Encore:
Strange Affair (Richard Thompson cover)
Our Home
Fotografias gentilmente cedidas por Vera Marmelo



















