Gravado há sessenta anos atrás, Bringing It All Back Home foi o adeus às amarras do folk e o abraço ao espírito rebelde do rock.
Os dezoito meses que separaram a gravação de Bringing It All Back Home (que ocorreram, faz este mês, há sessenta anos atrás) do acidente de mota que alteraria para sempre o curso da sua carreira, devem ter sido surreais para o seu protagonista Bob Dylan. Com uma pressão enorme nos ombros por ser considerado a voz de uma geração por uma grande parte do movimento folk dos Estados Unidos, o músico, influenciado cada vez mais pela poesia do poeta decadente Rimbaud, pela boémia da beat generation e pelo mitológico encontro com os Beatles, decidiu virar as costas à cena que o tinha acolhido, abraçando o hedonismo inconsequente do rock and roll.
A realidade é, como sempre, mais prosaica. O rock sempre esteve lá. Little Richard foi uma das suas primeiras influências e quando Elvis morreu, Dylan afirmou que ficou uma semana sem falar com ninguém, contemplando apenas o seu percurso artístico. As pistas estão todas no título: Bringing It All Back Home é o assumir de algo que sempre existiu mas que nunca tinha sido anunciado em público.
O arrojo do disco começa logo na sua sequência. Em vez de começar com uma música folk, mais familiar para os seus fãs, todo o seu lado A é dedicado ao novo som elétrico. As portas são escancaradas imediatamente com a explosão torrencial de “Subterranean Homesick Blues” uma canção em que as palavras saem da boca de Dylan num frenesim tão desenfreado que a banda tem dificuldade em acompanhar.
Este estilo de talking blues caracteriza esta era e seria refinado nos dois discos seguintes. Em “Maggie’s Farm”, uma canção de protesto que aponta o dedo precisamente à comunidade que exigia esse tipo de material do cantautor, o tom é vincadamente acusatório mas ainda se encontra aqui muito do humor que caracterizou a obra de Dylan até agora. “Bob Dylan’s 115th Dream” conta uma história alucinante sobre a colonização de uma América surrealista.
Nem tudo é fúria e alucinação: “She Belongs to Me” e “Love Minus Zero/No Limit”, são maravilhosos exemplos de canções desta época, dedicadas a uma qualquer musa hipster cuja identidade tem alimentado muitas teorias ao longo das décadas, mostrando também que também há nuance e arte neste formato.
Se as portas são escancaradas no lado A, o lado B representa o fecho destas. Quatro músicas acústicas, todas elas embebidas em poesia surreal. “Mr. Tambourine Man” é uma das canções imortais de Dylan, uma ode a uma figura que pode representar tanto: um estado de consciência diferente, drogas, a musa, a própria arte, Mr. Tambourine Man é tudo isto ao mesmo. A celebrada versão dos Byrds deu início à febre do folk rock, uma das muitas revoluções que Bob Dylan propulsionou naquela década.
Talvez a canção de protesto mais abstrata da sua carreira, “It’s Alright Ma (I’m Only Bleeding)” é puro veneno. O seu alvo? Talvez a sociedade contemporânea, talvez os mass media, quem sabe? O desprezo da letra é acentuado pela performance seca de Dylan, acompanhado apenas por uma linha de guitarra desolada e hipnótica na sua simplicidade, quase como que obrigando o ouvinte a absorver cada palavra. “It’s All Over Now, Baby Blue” é o bálsamo que nos liberta desse desespero, uma despedida que é também um cumprimento, e a promessa que nada será como antes. Bringing It All Back Home é o epicentro da carreira de Dylan, o ano zero, a clivagem que definiria o resto da sua vida. Nada mau para um miúdo de vinte e três anos.