Lançado em 1966, Blonde on Blonde é um dos álbuns mais icónicos de Bob Dylan e um marco na história da música popular.
Depois de um estrondoso ano de 1965, no qual lançou dois álbuns que rasgaram as convenções existentes na altura das fronteiras entre géneros musicais (Bringing It All Back Home e Highway 61 Revisited) e foi a Newport infernizar a cabeça dos puristas da folk, eis que Dylan se mostra ainda mais inovador, lançando o primeiro álbum duplo da história do rock. Blonde on Blonde do alto dos seus 72 minutos de duração, é um retrato da criatividade exuberante de Dylan e o melhor exemplo de sua capacidade de fundir poesia com uma instrumentação inovadora. Para além disso, é o meu Dylan favorito, e quando assim é fica díficil argumentar com a razão.
Gravado principalmente em Nashville, Tennessee, com o teclista Al Kooper, o guitarrista Robbie Robertson e outros músicos de estúdio de renome, Blonde on Blonde apresenta um som mais refinado e expansivo, combinando elementos do blues, country e rock com letras que, como Dylan tanto gosta, desafiam as interpretações convencionais. Um exemplo logo a abrir, “Rainy Day Women #12 & 35” (faixa que só não ficou com o nome de “Everybody Must Get Stoned” para assim conseguir fintar a potencial censura das rádios), fica na retina pelo coro irreverente e um ambiente sonoro que remete para uma qualquer banda de rua, a tocar por Nova Orleães fora. A letra enigmática e carregada de ironia contribuiu para se tornar uma das músicas mais reconhecíveis de Dylan (e são muitas…).
Um dos grandes destaques do álbum é “Visions of Johanna”, uma lindíssima balada, introspectiva e melancólica, populada por imagens surrealistas e uma melodia hipnótica, onde, entre várias histórias, a visão de uma saudosa Johanna é evocada no fim de cada estrofe. “I Want You” é a maravilha da simplicidade, uma das músicas mais acessíveis do disco, com uma melodia que nos deixa a cantarolar dentro da cabeça (ou alto e bom som, caso estejamos isolados) e versos que capturam um desejo clarinho como a água, apesar dos devaneios característicos do estilo lírico de Dylan. A procissão blondiana ainda vai no adro e já está a ficar muito difícil de superar.
“Stuck Inside of Mobile with the Memphis Blues Again” é o momento que melhor exemplifica o fluxo de consciência característico da escrita de Dylan nesse período. A estrutura repetitiva da canção, repleta de versos enigmáticos e mudanças de cena abruptas leva-nos a ler as letras uma e outra vez, para tentar captar melhor os significados que dali se tiram. Da mesma forma, “Just Like a Woman” destaca-se pela instrumentação delicada e, sobretudo, pela interpretação vocal emotiva de Dylan, embora com uma letra que abre debate, pela forma como retrata as dinâmicas de gênero.
Chegamos, por fim, à grande obra-prima do álbum – “Sad Eyed Lady of the Lowlands”, que ocupa todo o lado D do vinil original. Com mais de onze minutos de duração, a música é uma ode enigmática e profundamente pessoal, supostamente dedicada a sua então esposa, Sara Lownds. O tom solene e a riqueza poética são os ingredientes para que seja uma das composições mais imersivas de Dylan.
Não podemos fechar este artigo sem mencionar também a capa do mesmo, que é mais uma “engenhoca” – trata-se um retrato de Dylan em grande plano mas desfocado, com 30×30 cm. Abrindo o álbum, a imagem conjuga-se com a contracapa para formar uma foto do artista de 30 x 66 cm, ou seja três quartos do seu comprimento. Sem nome do disco ou referência ao cantor, inquietante e icónica como poucas.
Se interessar a alguém a discussão sobre qual o melhor álbum de Dylan, Blonde on Blonde tem argumentos para ombrear com qualquer outro. Se for mais pessoa que não quer fazer rankings, importa só afirmar que o prazer de desfrutar deste disco é incomensurável. Ainda hoje, passados que estão praticamente 60 anos da sua feitura.