Often Trees é o novo álbum dos Blind Zero. Nascidos na primeira metade da década de 1990, chegam a 2017 com um disco fora do seu tempo, e por isso intemporal – o vocalista Miguel Guedes explicou ao Altamont que momento vivem hoje os nortenhos.
“Mais do que pela contemplação, este disco toma parte. Tem uma palavra a dizer. Engloba um imaginário sombrio e poético, de perseguição e novelos, passeia pela berma dos lagos e sobe à copa das árvores. O imaginário não podia ser mais tenso”. Assim, entre o mistério e a expectativa, é apresentado Often Trees, um dos melhores trabalhos da carreira dos Blind Zero, garantidamente o mais coeso desde A Way to Bleed Your Lover, de 2003. Na edição deste ano do festival de Paredes de Coura, Miguel Guedes já nos confidenciava a expectativa pelo que aí vinha: no final de outubro, já com o disco novo nas lojas e na antecâmara da apresentação na Casa da Música, foi um Miguel Guedes seguro e reconfortado que nos atende o telefone.
“Abandonámos um grupo de canções que estavam praticamente a formar um disco, pusemo-las todas de lado. Foi-se instalando um núcleo novo de canções que apontavam para um caminho mais denso, mais sombrio, mais obscuro, que sempre foi um imaginário presente nos Blind Zero”, conta o vocalista e fundador do grupo. Há “uma ou outra canção” sobre “a forma como o mundo se apresenta, mas é fundamentalmente sobre o mundo interior que” o novo disco reflete, prossegue Miguel Guedes.
Produzido por Nuxo Espinheira, um dos membros dos Blind Zero, “Often Trees” foi misturado por Nelson Carvalho e masterizado em Nova Iorque por Andy VanDette (David Bowie, The Dear Hunter, Beastie Boys, Tim Burton e Danny Elfman). O disco está nas lojas e em vários formatos: ao tradicional CD o grupo quis juntar uma edição limitada em K7. Em causa neste novo imaginário mais sombrio e negro “não está um desalento com o mundo”, assume Miguel Guedes.
E explicar toda esta densidade e negritude, é algo confortável e necessário? “Com toda a sinceridade, há discos e discos. Quando fizemos este disco, e sem nenhuma presunção, não me apetecia nada falar sobre o disco, gostava que ele se impusesse por si mesmo pela sua intensidade, pelo seu todo”. Contudo, o desenrolar das gravações e do imaginário motiva da parte do vocalista o assumir de que Often Trees é “um disco mais complexo, mais difícil”, apesar de o músico preferir que cada ouvinte retire as suas próprias ilações e imaginários destas dez faixas.
“Espero que seja altamente compensatório para quem lhe dedicar algum tempo”, diz Guedes, reconhecendo serem necessárias várias escutas e ouvidos atentos para uma total captura das várias camadas de instrumentos – a guitarra comanda boa parte das canções, mas há muitas teclas, ambiências, um corpo sonoro pesado e robusto.
Often Trees é o oitavo disco de uma banda que cresceu na indústria musical portuguesa ao lado de nomes como Ornatos Violeta, Clã, The Gift, Da Weasel, Zen ou Blasted Mechanism. A justiça talvez tenha passado ao lado no reconhecimento de um grupo que surgiu demasiado colado às suas influências mas foi trilhando, devagar e solidamente, um percurso muito próprio. Confere? “Acho que todas essas são bandas muito diferentes. Sinto de alguma forma que criámos uma clivagem: havia quem nos amasse e nos odiasse. E continuamos a viver um bocado assim. Nunca fomos uma banda unânime, mas também nunca o pretendemos”.
E o Miguel Guedes cidadão, ativista de esquerda, adepto fanático do Futebol Clube do Porto e de posições vincadas e assumidas, nunca entrou em choque com o Miguel Guedes músico, nomeadamente nas relações com a indústria ou alguns senadores da melomania? “Talvez. Mas digo sempre uma coisa: ‘Put the record on and shut the fuck up’”.
Toca a meter Often Trees no leitor de CDs ou no Spotify. Ou, lá está, no velhinho Walkman.