O Black Bass é sempre um lugar onde voltar. Depois da última edição de comemoração dos dez anos de Pointlist, a responsável pelo festival e abrigo de muitas das nossas bandas nacionais favoritas, o Altamont voltou a Évora para beber mais um copo de música fresquinha.
Enamorámo-nos pelo Black Bass em 2023, perdemos a cabeça em 2024 e este ano demos as mãos para vos contar tudo do que se passou em Évora no passado fim-de-semana! Desta vez, nem compromissos laborais, nem maleitas de última hora ou mesmo um carro avariado em plena depressão Cláudia foram capazes de impedir de testemunharmos e vivermos a festa do achigã!
Segue-se uma reportagem a oito mãos – quatro no teclado e outras quatro na câmera fotográfica. A experiente Joana Canela deu o enquadramento e lançou as primeiras linhas para o nosso caçula Tiago Laranjo assumir o testemunho a tempo de apanhar os Offtides em ação. Na fotografia, outro dos nossos novos reforços, o Gonçalo Nogueira deu novo sentido ao conceito de assistência em viagem, para depois ir trocando pontos de vista com o Rui Gato.
Como já tínhamos dado conta no mês passado, a edição 2025 do Black Bass distribuiu-se por dois fins de semana e por três pontos do vastíssimo Alentejo. Depois de na semana passada a festa ter passado por Odeceixe e Portalegre, o achigã voltou à base para duas tardes de atividades paralelas – Tertúlia, DjSets e uma feira de serigrafia e tatuagens – no belíssimo edifício da Associação Bota Rasa, e duas noites de concertos noutros dois locais emblemáticos da cidade de Évora.
Crónica de Joana Canela:
A primeira noite decorreu na SHE (Sociedade Harmonia Eborense) com OkA, um projeto lisboeta quase a estrear. Com o primeiro EP, ombu, lançado a 19 de Setembro, o trio subiu a palco com a fogosidade de uma banda sénior, numa rajada de noise punk capaz de fazer tremer uma plateia inteira. Riffs sumptuosos, distorção com fartura e um baterista encapuzado. Entre voos e viagens, um concerto-mergulho a abrir em grande o festival.
A fechar o primeiro dia, ainda em modo warm up, o Colectivo Pointlist entregou uma actuação a guardar na memória e no coração. Sem nada editado, este ajuntamento de membros da Pointlist reveza-se entre alinhamentos diferentes. Agora, com Carlos de Jesus (Sunflowers, Faca/Cega | voz, guitarra e maquinaria), Fred Ferreira (Sunflowers, 800 Gondomar | baixo e voz), Vítor Silva (El Señor | bateria) e Pedro Feio (Fugly, Offtides, Evols | voz e guitarra) ao leme, a possibilidade torna-se realidade e – uau – ela faz sentido. O rock faz-se disto. De vida, vontade e amor. Com riffs acutilantes e ritmos duros – como o rock deve ser – fizeram bangers que ainda não viram a luz do dia, apenas umas quantas salas de espectáculos que tiveram a sorte de ver aquilo de que o amor é feito.
O último dia do Black Bass é sempre o gigante que faz inveja a muitos outros cartazes. O que se faz por cá é bom e sim, devia fazer inveja. A segunda dose do festival começou com Yung Xalana, ex-Meia/Fé, em formato banda. Com dois EPs lançados com um mês de intervalo entre Abril e Maio, Xalana deixou claro que nada tem de ficar por dizer. Em palco, destila palavras com a mesma raiva como a música que o acompanha. Lisboa e a vida deixam de ser sítios etéreos e antes um lugar onde existir. Ali, no Soir JAA. À boleia de uma esperança que a honestidade faça valer as suas próprias palavras. E com Yung Xalana o sofrimento não tem de ser um tabu. Pode ser a nossa sorte.
Crónica de Tiago Laranjo:
Offtides – São do Porto (mas foram desterrados para os arredores), picam o ponto, são trabalhadores honestos, e arrasaram no primeiro concerto que vi no Black Bass. Não sei se estão pré, pós, entre, pró ou contra punk, mas a energia foi inegável e serviu como uma boa murraça nos dentes para abrir hostilidades. Sem entrar em demasiadas comparações, o ângulo de ataque da voz do Henrik Beck fez-me lembrar o John Brannon dos Negative Approach e Laughing Hyenas. Talvez seja uma aproximação disparatada em forma de desculpa para fazer name drop de duas grandes bandas. Três, na verdade, quanto contamos com os Offtides e o seu som bem definido, com músculo, pujança e identidade. Invisible Mullet Squad, unite!
Lesma – Não há nada como um bom power trio, certo? E apesar de ter passado as primeiras duas primeiras músicas numa corda bamba entre admirar o espírito jovial, sorridente e agressivo das Lesma enquanto tentava adivinhar onde raio é que já as tinha visto, fiquei totalmente rendido com a química (essa maldita palavra) entre a Beatriz, a Rita e a Leonor. Se nós somos uma colher, elas são o faqueiro completo. Se nós não temos garfo, elas têm a Vista Alegre toda ao serviço. Se nós somos uma barreira, elas quebram-na. Se nós somos do Barreiro, elas também. Se nós somos lentos, elas são as Lesma. E vi-as, em fevereiro, no Damas, quando abriram para Vaiapraia. BARREIROOOOO!!!!!!!!!!
MONCHMONCH – Tenho mais de 30 anos e, se eu dissesse ao meu pai, depois de jantar, que a minha sobremesa passaria por ver uma banda em que o vocalista mete o microfone em todo o lado menos no raio do suporte desenhado para esse efeito… Bem, ele teria questionado as minhas escolhas de vida. Não por ele ser técnico de som, longe disso. Digamos apenas que este micro teria algumas histórias de terror para partilhar com o microfone do Lux Interior dos The Cramps. E acho que é mesmo assim que Lucas Monch, vocalista paulista que dá nome ao projeto, quer as coisas. Estamos a falar de uma banda, sem tirar mérito a todos os outros degenerados talentosos desta formação, cujo frontman é um autêntico furacão em palco, que é o parto demoníaco fruto dos ventres do GG Allin, em modo pré-defecação, e de um Iggy Pop, prestes a barrar o seu corpo com manteiga de amendoim. Isto nem é um frontman, é um frontmonster. É o tipo de atuação pulsante que intimida quem está do outro lado, que passa qualquer limite do gosto ou da falta dele. Aliás, isso nem é questão. O que é importante é morder, morder e não deixar largar. E é assim que deve ser a vida. Pelo menos, se ainda tivermos dentes.
bbb hairdryer – Acho que gosto demasiado dos bbb hairdryer para os descrever. Medo de não ter as palavras certas? Muito provavelmente. Nunca apanhei bbb como projeto a solo, mas cada concerto desta formação é explosivo, tocante e memorável. Pode não falar diretamente para os meus problemas de amor e identidade… mas, ao mesmo tempo, está a falar exatamente para mim. É difícil e, talvez, indelicado mencionar sequer esta parte, mas acho que percebem. E se não perceberem, está tudo bem à mesma. Podem sempre marcar um encontro com os bbb a meio da cacofonia delicada e bem costurada deles, para sentir todo aquele satanic trans guitar shit (o termo não é meu). A bateria do Chinaskee é especialmente deliciosa para qualquer air drummer que se preze. E agora? E agora já estou ansioso. Não quero acabar o texto deles com algo tão supérfluo e ridículo como air drumming ou um high five pela versão habitual deles da “Territorial Pissings”. Não sei, talvez sejam a prova viva de uma banda capaz de nos deixar sem palavras.
Sunflowers – Confesso que já estava no meu quarto ou quinto tango (nunca subestimem o poder da groselha numa cerveja) quando os Sunflowers entraram para fechar a noite. Não só isso, mas precisava mesmo de ir à casinha quando a maçaneta da porta se partiu a meio de um dos concertos. Ponto de situação: nada famoso. Mas os Sunflowers não são novatos nisto e, por isso, conseguem puxar o mais cansado e velho dos jarretas para o lado deles. Ainda assim, talvez não lhes tenha dado o devido valor numa noite que já ia longa. Portanto, tal como nos Yung Xalana, fui ouvir algo e minha doce mãe no seu lar doce lar, o novo álbum deles, You Have Fallen… Congratulations! disparou para o topo de algumas das melhores coisas que passaram pelos meus ouvidos este ano. Tão barulhento, tão despenteado, tão fuzzy, tão bom! Saiu na britânica Fuzz Club Records, mas podia perfeitamente ter saído, algures nos anos 80, numa Creation Records da vida (com o seu quê de adaptação temporal, eu sei). Não consigo tecer melhor elogio do que esse e serei dos primeiros dos últimos a chegar a um próximo concerto em que eles sejam, de forma mais do que merecida, os cabeças de cartaz novamente.
Texto: Joana Canela e Tiago Laranjo | Fotografias: Gonçalo Nogueira e Rui Gato






















































