Colors ataca-nos por todos os lados e entranha-se por todos os nossos poros. Não nos dá muitos minutos de descanso, e por isso mesmo deve ser vivido ao máximo. Ao máximo e com o botão do volume elevado ao ponto de poder criar má vizinhança.
A expectativa de se ouvir, pela primeira vez, um novo disco de Beck é sempre prazerosa. Esta vez, e uma vez mais, não foi exceção, mantendo-se (e sentindo-se) uma certa boa impaciência na espera por esse momento inaugural. Beck Hansen regressou, neste quase tórrido outono, com um disco de verão, ensolarado, colorido de tal maneira que o nome que tem não carece de quaisquer explicações. Chama-se Colors e é tão bom de ouvir que chega a causar aflição! É o que temos feito nestes últimos dias, aflitos por encontrar e perceber todos os pormenores, compreender todas as letras, captar todo o mistério que um qualquer disco do músico norte-americano sempre encerra. Apetece (e nós não somos de rejeitar vontades) usar a tecla de repeat e esperar que ninguém nos venha aborrecer ou interromper com coisas menores. Beck voltou, voltou em grande e a festa é garantida. Faça-se convidado e venha daí connosco.
Beck goes pop! Parece impossível qualquer ideia contrária a esta. Isso, em si mesmo, não é mau, sobretudo se pensarmos nas reconhecidas múltiplas capacidades de quem está a “controlar a situação”. E mais ainda se soubermos perceber os experimentalismos que em Colors também se encontram, embora usados em terrenos dançáveis, totalmente distantes da serenidade introspetiva do seu anterior longa-duração. São inventivas as guitarras, os sintetizadores, a bateria (e, nessa medida, também experimentais) que se fazem ouvir neste recentíssimo Colors. São ótimas algumas das canções que já vinham sendo lançadas como cartões de visita do álbum, como são igualmente ótimas outras que até à data não conhecíamos. O caso mais paradigmático de excecionalidade será o de “Dear Life”, tema beckiano até à medula, canção que junta algum embalo onírico com a vontade de gritar quão prazerosa a vida pode ser. Que bela canção-sorriso! O mesmo se passa com “Up All Night”, esta mais combativamente dançante que a anterior, mais nervosa, fibrosa e igualmente bastante bela. Ele há tantas! Mas também encontramos em Colors outras tonalidades, embora menos marcantes. Também por alguns dos onze temas do disco se pode perceber alguma introspeção, algum fulgor enigmático. A faixa que corporiza o que agora dizemos na totalidade é “Fix Me”, tema aparentemente distanciado dos restantes (e dizemos aparentemente porque em alguns dos restantes existem momentos que parecem festivos, mas que na verdade escondem também alguma inquietação e desamparo, sobretudo se atendermos ao que neles vai sendo cantado).
O que importa ressaltar, mais do que qualquer outra coisa, é que em Colors Beck consegue seguir caminhos sonoros de enorme liberdade expressiva e artística. Algures entre o funk urbano e estiloso até às últimas consequências, mas também por entre ecos de hip hop inteligente, rock e pop fervilhantes, Beck libertou-se da estranha e bela melancolia que lhe atingiu o coração em Mutations (1998), Sea Change (2002) e Morning Phase (2014). Em Colors recupera os confetti profusamente lançados em Midnite Vultures (1999), volta a mexer na eletrónica alternativa experimentada em Odelay (1996), embora sem a excentricidade rude que conferiu alma a esse ímpar monumento sonoro da sua obra, e torna presentes alguns ecos de Guero (2005), de The Information (2006) e de Modern Guilt (2018). Não será por acaso que canta “I’m so free now / I’m so free now / And the way that I walk / Is up to me now” ou ainda “I’m so free / Free from me / Free from you”. Colors é, portanto, o disco de todas as libertações, o álbum de todas as explosões, embora bem comportadas, e por isso é também um disco síntese de boa parte da sua carreira.
Enquanto não conhecemos o que Beck fará a seguir (e sim, a expectativa já começou), só nos resta o prazer imenso de viver o momento presente em estado de quase delírio, abraçar todas as cores de Colors e agradecer a Beck pela nova e vibrante pintura que acabou de nos oferecer!