Em 2016, Deakin, ou Josh Dibb, membro dos Animal Collective, lançou o seu primeiro trabalho a solo, que surpreendeu o mundo pela sua maturidade aguçada e canções crescidas. Já em 2017, Tare segue-lhe o exemplo, com o seu álbum fora dos Animal Collective mais sofisticado e direto até à data.
Apesar de já ir no seu quarto registo fora da banda, Dave Portner, talvez mais conhecido por Avey Tare no circuito da música alternativa, talvez seja mais reconhecível como braço-direito de Panda Bear (ou Noah Lennox) dentro dos Animal Collective. Indisputáveis governadores de uma sonoridade a que nada se assemelha, que pode ser revisitada em álbuns como Feels (2005), Strawberry Jam (2007) ou Merriweather Post Pavillion, sempre se orientaram por um modo muito particular de escrever canções – num mundo cheio de gente que se acha grande, escreviam como se fossem crianças, encantando-se e deliciando-se a cada tema com uns instrumentos dos quais se dispunham, incluindo as suas vozes, que ora se uniam em coros angelicais ora explodiam (no caso de Tare) em berros frenéticos que ignoravam o controlo e a mesura com os quais nos tentam sufocar em adultos. Se Panda Bear era o cérebro, Tare era a alma, urrando de olhos fechados e garganta aberta, sem vergonha de nada, expelindo sem correntes todas as emoções que lhe doíam no coração com o à-vontade das crianças, aquelas que dizem tudo sem se restringir ou mentir. No entanto, quando se uniram para lançar, em 2016, o seu décimo-primeiro álbum, soube a pouco: a honestidade que os definira desde o início da década de 2000 começava-se a dissipar sobre a sombra de um crescimento que não conseguiam interromper. A verdade é que, na altura na qual Painting With chegava às prateleiras das lojas de discos, os trinta e muitos começavam a sentir-se na pele e na música. Já não eram quatro putos despenteados e de olhos arregalados da droga de Baltimore; viviam em cantos do mundo distintos, casavam-se, tinham filhos, tornavam-se mais uns adultos como tantos outros, desaparecendo no meio de todos nós, que crescemos não porque queríamos, mas porque tinha de ser. O seu sabor de pop experimental eletrónico inspirado nuns Beach Boys marcianos nunca tinha soado tão impecavelmente produzido e certeiro: no entanto, faltava ali qualquer coisa – a criancice já era, e a experiência assemelhava-se mais a escutar um bando de pais a cantar um reportório de pré-escolar e não aos próprios miúdos.
Em 2017, Tare conta com quase quarenta anos. Para trás, quase dezoito anos ao lado de Lennox, do qual se separa poucas e estratégicas vezes para embarcar em projetos a solo ou noutras companhias (como é o caso do álbum que lança em 2014, Enter the Slasher House, na companhia dos seus Slasher Flicks). Uma relação falhada (com a islandesa Kria Brekkam, dos múm, com quem chega a lançar o pouco convencional Pullhair Rubeye, em 2007), que lhe estilhaça o coração em pedaços, que vai tentando remendar aos bocados no reflexivo Down There, de 2010. E retirado da fantasia dos Animal Collective, enfrenta o mundo real e a vida adulta neste Eucalyptus, lançado em inícios deste verão.
Eucalyptus funciona quase como um confessionário, uma aceitação das inevitáveis dores de crescer, mas uma aceitação calma e matura, acima de tudo, pacífica, expressa na calma de oceano de faixas como “Season High”, que abre o álbum, ou no folk introspetivo de “Ms. Secret”. Num registo profundamente entregue à guitarra acústica, Tare pede dicas emprestadas ao seu eu passado, o seu eu de Animal Collective em registos como o de Sung Tongs (2004) ou Campfire Songs (2005) e, no entanto, nunca soou tão focado e claro na mensagem a entregar como aqui. De facto, se os Animal Collective ganhavam pela sua imprevisibilidade furiosa que deixava o público de ouvidos no ar para a próxima curva, aqui Tare decide conduzir em frente, direto ao coração.
Não é para dizer que ainda não existe qualquer coisa do “velho” Avey Tare aqui: em temas como “Lunch Out of Order Part. I”, ainda há ali qualquer rasgo de aventura recortado no misto de um álbum semi-sério; em “Jackson 5”, os ritmos brincam com as cordas da guitarra, numa melodia doce que poderíamos encontrar num registo mais longínquo e juvenil dos Animal Collective, mas sempre infinitamente pensado e calculado – como fazem os adultos. A guitarra acústica continua a governar o restante disco, com os sintetizadores de outrora a ganhar pó num canto da sala, como já fizera, na companhia de Brian Weitz (ou Geologist, outro membro da coletiva) no EP deste mesmo ano, Meeting of the Waters. Entre os dedilhados melancólicos de “In Pieces” ou o arranhar veloz das cordas em “Coral Cords”, tornou-se a sua melhor amiga e baixou-lhe a voz para um registo mais suave e pensativo, que substitui os urros de uma juventude que já não volta.
Avey Tare não está velho: longe disso. Continua a conservar uma visão única de quem guarda um bocadinho de tempos mais livres e leves dentro de si, mas também começa a carregar no peito uma maturidade que lhe chega sem aviso e que se traduz num registo mais estruturado, pacífico e calmo. Já no ano passado, outro membro dos Animal Collective passou por semelhante experiência: Josh Dibb, ou Deakin, lançou a sua estreia a solo, Sleep Cycle, que lhe conferiu um crescimento musical que ninguém podia adivinhar. Nem ele próprio, provavelmente. Se o membro mais crescido da coletiva, Panda Bear, o cérebro engenhoso por detrás das melodias mais orelhudas e pensadas da música que nos têm dado ao longo dos últimos quinze anos, acabará por ser acompanhado em maturidade honesta pelos seus colegas, certamente faremos figas para uns Animal Collective regressados, dentro de um par de anos, crescidos, maturos, aceitando a efemeridade da infância sem esquecer o que ela ensinou, como Tare em Eucalyptus.