Com o Reset ainda em rotação regular, juntámo-nos à dupla de Panda Bear e Sonic Boom para lhes perguntar sobre o novo disco, tocar ao vivo e papéis criativos.
Estava um dia chuvoso, com Outubro finalmente a dar ares da sua graça. Na Padaria do Povo, Noah Lennox e Peter Kember foram generosos ao darem um bocadinho do seu tempo para falar de Reset, o novo disco que lançaram em conjunto há uns meses. Apesar do pouco tempo que tivemos, pudemos ter um vislumbre das várias coisas que levaram à criação do disco, um dos mais espontâneos e soalheiros da carreira de ambos os músicos.
Altamont: A primeira pergunta é para o Peter (Sonic Boom). Vocês colaboram já há algum tempo. Tu misturaste o Tomboy, mas no Panda Bear Meets the Grim Reaper a tua influência é muito mais perceptível, tal como no Reset. No entanto, este disco é uma colaboração. O que é que mudou em termos de papeis criativos, entre o Grim Reaper e o Reset?
Sonic Boom: Com o Grim Reaper, o Noah tinha demos com as quais ele já estava satisfeito e ele teve a generosidade de permitir que o disco fosse uma exploração do que poderíamos fazer juntos. Nós ouvimos as músicas de forma diferente, ele às vezes consegue ouvir coisas que não estão lá e, por isso, eu tento imaginá-las também. Suponho que não tenha imaginação suficiente para isso (risos).
O plano original era ser uma colaboração, ou foi algo que foi surgindo organicamente?
Panda Bear: Foi um processo orgânico e ainda bem que assim o foi. Não trabalhámos num estúdio por isso não tivemos de nos preocupar com tempo e pagar sessões. Se num dia não quiséssemos trabalhar no disco, não trabalhávamos. Fazíamos outra coisa. Originalmente, o Peter tinha esta ideia de fazer música baseadas em samples do início de canções. Ele enviou-me uns vinte loops e eu fui ouvindo e assim que eu tinha uma ideia do que cantar eu começava a trabalhar na música. No final da sessão, regra geral, já tinha um esqueleto sobre o qual podíamos trabalhar. No início, não sabíamos que estávamos a fazer um disco, eram só músicas nas quais estávamos a trabalhar.
Sonic Boom: jamming digital. (risos)
É engraçado mencionares que a ideia de usar samples foi do Peter. Por um lado, já os usaste antes mas, por outro, não esperava que fizesses um disco à base de samples outra vez. Estava à espera que o trabalho do Peter girasse mais à volta dos arranjos e dos sintetizadores.
Sonic Boom: Os nossos papéis inverteram-se neste disco. Eu tratei maioritariamente da percussão, enquanto que o Noah tratou principalmente dos sintetizadores e até tocou guitarra em algumas canções. É interessante mudar a maneira como fazes as coisas.
Panda Bear: É bom atirares-te para situações que não te são familiares. Muitas vezes, é nessas situações que aprendes mais. A pandemia foi muito dura sem dúvida, mas houve maneiras de aprender com ela.
Sonic Boom: Acho que se sentiu que a humanidade precisava de parar e pensar nas coisas e foi preciso um choque para nos acordar para isso. Às vezes coisas boas surgem a partir de tempos difíceis.
Podes sempre tentar extrair uma lição importante de um momento duro na tua vida.
Panda Bear: É o melhor que podes fazer, sem dúvida.
Sonic Boom: Muitas pessoas sentiram a necessidade de fazer reset à sua vida. A minha mulher, por exemplo, descobriu algo que gosta muito mais de fazer do que o que ela estava a fazer antes. Tenho ouvido histórias semelhantes de outras pessoas. Acho que, pessoalmente, também pude ser mais exigente comigo mesmo nesse período e acho que a minha vida melhorou em consequência disso.
Voltando um bocado atrás, eu queria perguntar-te como é que te tinhas adaptado ao som mais minimalista que caracteriza os últimos discos de Panda Bear mas, pelos vistos, isso partiu de ti.
Sonic Boom: Eu aprecio essa maneira de fazer as coisas. No meu trabalho com os Spacemen 3, como por exemplo a “Playing with Fire”, não há lá nada que não precise de lá estar. Acho que ambos apreciamos a filosofia de que less is more se tudo estiver no sítio, se conseguires extrair o sumo de cada elemento e esqueceres o resto. A maneira como o Noah pensa em música condiz com essa maneira de compor. Ele está sempre a experimentar com o espaço e o timing das coisas
Panda Bear: A verdade é que o Peter é fã do meu disco Person Pitch, e isso sempre fez imenso sentido para mim, porque esse disco gira muito à volta de repetição. Cada música gira à volta de um ou dois acordes e, na minha ótica, essas coisas foram influenciadas, em parte, pelos Spacemen 3.
Acho pertinente teres usado a palavra “espaço” porque essa é uma das coisas que me ocorreram quando ouvi o disco. Este disco sem dúvida tem mais espaço para respirar, em comparação com a densidade dos discos em que vocês colaboraram no passado. Noah, lembro-me que na era do Painting With, tu mencionaste que, na fase de conceptualização de cada disco, havia um conjunto de, por exemplo, dez ideias e que, no final do processo, apenas metade eram concretizadas até ao fim. Sentes que isso também se aplica ao Reset e, se sim, quais são esses conceitos.
Panda Bear: Sinto que esse método de atirar ideias para o ar se aplica mais aos Animal Collective, porque somos mais e cada um tem a sua ideia do que o disco deve ser. Com o meu trabalho a solo, e mesmo com o Peter, é mais fácil porque o conjunto de ideias é menor. Neste disco, aquilo que me ocorre que nós queríamos fazer e acabámos por não concretizar, foi construí-lo como um musical da Broadway. Elas pareciam formar uma história.
Sonic Boom: As músicas funcionam individualmente mas, em conjunto, parece que surgiu, de forma espontânea, uma dialética entre elas que não foi planeada.
Panda Bear: Acho que teríamos de encontrar a pessoa certa para fazer com que a coisa funcionasse. Nós não sabemos fazer esse tipo de coisas e, se encontrássemos alguém que conseguisse fazê-lo talvez resultasse. Ainda estamos à procura.
Recentemente, soube-se que os Animal Collective tiveram de cancelar a sua digressão europeia, por não ser viável no atual clima económico. O Reset foi feito com a expectativa de ser tocado ao vivo? Quão diferente seria o disco?
Panda Bear: Acho que não seria diferente, independentemente da expectativa. Isso não foi discutido entre nós sequer.
Sonic Boom: Nem podias tocar ao vivo nessa altura. Nós não sabíamos se alguma vez voltaríamos a tocar ao vivo. Nessa altura parecia que não. Acho que nunca pensámos nisso. Mas fiquei surpreendido pela positiva com a maneira como o disco soa ao vivo. Tal como aconteceu com o disco em si, quando chegou altura de o tocar ao vivo decidimos não fazer nada muito extravagante e caro. Queríamos que fosse eficiente, sem a necessidade de envolver muitas pessoas, para que fosse possível tocar espetáculos sem gastar muito dinheiro. Queremos fazer algo interessante mas que seja simples e sustentável de levar para a estrada.
Panda Bear: A verdade é que, pelo menos para mim, o processo funciona ao contrário. Eu faço o que me apetecer no estúdio e, se tiver de tocar ao vivo, eu penso em como posso concretizá-lo da melhor maneira possível.
Sonic Boom: Com a minha música, há muita ilusão e truques que dão a impressão de que há ali uma canção mas, se a analisares, é extremamente simples. É maioritariamente uma questão de arranjos. No caso do Reset, foi muito por instinto.
Há, de facto, uma espontaneidade que permeia o disco.
Panda Bear: Eu chamar-lhe-ia desinibido. Nos momentos mais negros, nem sabíamos se estaríamos vivos dali a seis meses. Simplesmente fizemos aquilo que queríamos ainda que, às vezes seja difícil chegar a esse espaço mental.
As letras das músicas foram escritas pelos dois? As letras de Panda Bear têm-se tornado cada vez mais abstratas…
Panda Bear: Esotéricas, talvez. Não são narrativas, é mais como uma colagem de frases.
Exato! Mas sinto que, neste disco, as letras são muito mais diretas.
Panda Bear: Concordo.
Muitas das tuas letras parecem uma tentativa de procurares um sentido para as coisas a partir de uma perspectiva exterior. Neste disco, as letras têm uma intensidade em que parece que foram escritas no calor do momento.
Sonic Boom: Também senti isso quando as músicas foram surgindo. Desde o início que eu pensei “Uau, algo se está a passar aqui”. Sinto que até nas temáticas, apesar de algumas terem sido exploradas em canções anteriores, mas aqui há um foco maior. No entanto, sinto que a palete dele expandiu, há músicas em que ele usa um registo mais grave, o que me impressionou.
Mas tu também cantas no disco certo?
Panda Bear: Sim, ele canta as vozes principais em três músicas e coros em três outras. Todas as vozes mesmo graves são dele.
É um contraste interessante quando música animada tem uma letra mais triste.
Sonic Boom: Foi uma experiência divertida brincar com isso, ajudada pelo facto de não termos expectativas quanto ao disco. Apanhamos bons ventos que nos ajudaram a navegar na direção certa.
Panda Bear: As coisas funcionaram rapidamente, de uma forma que não costuma acontecer regularmente. Às vezes tens sorte.
Sonic Boom: O conteúdo da letra pode informar o que pões na música. Este processo foi todo muito orgânico e acho que o segredo foi que não estávamos a tentar fazer um disco, estávamos simplesmente a seguir os nossos instintos.