Dizem que a beleza está na simplicidade, mas como fazer música simples e cativante? Telefonem ao Zambujo a perguntar.
Midas, reza a lenda, pediu aos deuses gregos para transformar em ouro tudo o que tocasse, dada a sua ambição desmedida e gosto pelo metal dourado. Cedo percebeu que o seu desejo era, no fundo, uma maldição. Avancemos uns anos para 2018, onde temos, no nosso cantinho à beira-mar plantado, um tipo de seu nome António Zambujo, que, não conseguindo transformar tudo em ouro, transforma sim coisas complexas, detalhadas, ricas em pormenores em simplicidade absoluta e conquistadora. Consegue juntar no seu caldeirão várias tradições portuguesas como o cante alentejano e fado, influências do outro lado do Atlântico (bossa nova e MPB), e por fim o lado crooner à la Tom Waits para assim produzir Do Avesso, o seu oitavo disco.
Partindo de uma ideia principal, baseada numa música de Cavalo de Rodrigo Amarante, contando com o contributo de nomes como Miguel Araújo, Márcia, Aldina Duarte, Mário Laginha, Arnaldo Antunes e, por fim juntando uma equipa constituída por Nuno Rafael, Filipe Melo (arranjos incríveis, a classe do costume) e João Moreira, assim se fez este disco. E ainda (saudades de Carlos Cruz no seu “Um, Dois Três”…) há também a participação da Orquestra Sinfonietta de Lisboa (dirigida por Vasco Pearce de Azevedo). E tudo parece tão simples, tão saboroso, desde o piano que acompanha “Do Avesso”, música que abre o disco, até as últimas notas de “Retrato de Bolso”. Canções de amor e desamor, paixão e separação, é por aqui que passa o disco. Zambujo disse em entrevista que “Já morri de amor e tive dificuldade em levantar-me. Sei bem do que falo” e nós acreditamos. Quem nunca?
Permitam-me uma nota pessoal – vi pela primeira vez António Zambujo como convidado num concerto num vão de escada da Gulbenkian, de um grupo chamado Sete Lágrimas, que se dedicava a recriar canções de amigo (não consigo precisar o ano, mas seguramente há mais de 10 anos). Ninguém adivinharia que estava perante um senhor que iria encher Coliseus em barda, fazer um disco com versões de Chico Buarque e legitimar-se como figura de proa na música portuguesa. Músicas como “Sem Palavras”, “Se Já Não me Queres” (podia ser dos Dead Combo), a versão de “Amapola”, “Multimilionário” (que nos faz sentir no vaudeville dos anos 20), apenas servem para cimentar esse estatuto.
António Zambujo é, no fundo, um excelente networker. Mesmo não estando presente em redes sociais, faz o seu network à antiga, em carne e osso, sendo um tipo porreiro, juntando-se às pessoas que habitam nos meandros da música cantada em língua portuguesa, desafiando-os, incorporando-os em si e no seu trabalho. E isto, meus amigos, vale ouro.