Vivemos tempos difíceis e perigosos. O Brexit e a vitória do inenarrável Trump são sinais de desagregação social e vitórias do medo. A Rússia invade e anexa territórios alheios e a Europa responde com sanções económicas. Enquanto isso, todas as semanas, milhares de refugiados continuam a arriscar a sua vida e a dos seres que mais amam para chegar a um continente que não os quer, que os teme, que olha tudo isto como um problema alheio.
Anoushka Shankar é indiana, nascida em Londres. Filha do grande génio Ravi Shankar (e meia-irmã de Norah Jones), já se afirmou há muito como uma instrumentista e uma compositora de grande valor próprio. E agora, no meio deste tumulto colectivo de 2016, lança um disco marcante, tocante, e que nos oferece uma narrativa de angústia e de esperança que este mundo desesperadamente precisa.
O conceito de Land of Gold nasceu, na cabeça e no coração de Anoushka, quando o menino Aylan Kurdi chocou o planeta ao morrer, de cara para baixo, numa praia turca. A artista e mãe começou – explica no seu site oficial – a questionar a sua capacidade de defender a sua família, o que faria para que ela sobrevivesse. Conseguiu, no fundo, aquilo que pouca gente consegue fazer: abstrair-se do seu ponto de vista favorecido e colocar-se no lugar do outro. Como julgar, como afastar, como fechar, como condenar, quando poderíamos ser nós do outro lado do Mediterrâneo?
O disco pretende, assim, reflectir uma dessas terríveis viagens, desde o pavor inicial da morte, a fuga, o abandono de tudo o que se conhece, o risco, o desespero e, espera-se, a salvação final. Desde o arranque com “Boat to Nowhere”, passando por “Jump in (Cross the Line)” com a sempre activista M.I.A., até ao final almejado (reservado a quantos e em que quota?) de “Reunion”, Land of Gold leva-nos nessa viagem.
A música vale por si própria, aliás, foi ela que me agarrou antes sequer de conhecer o conceito por trás do álbum. Música indiana, movida a uma cítara lindíssima da própria Shankar, electrónicas muito discretas aqui e ali, um disco quase totalmente instrumental de uma enorme beleza e com momentos de grande serenidade entre a tensão de um ou outro tema. A viagem emocional que Anoushka nos quer proporcionar, com os valores de cidadania na base da música, só ajudam à dimensão deste projecto.
Land of Gold é um bálsamo para os ouvidos e para a nossa alma em tempos tão tristes e tão egoístas. Um álbum à parte de quase tudo o que nos chega, no meio do ruído e da incerteza.