“Sempre tive muito medo de morrer, mas quando comecei a registrar os meus trabalhos deixei de o ter, porque, de certa forma, sentia a necessidade de deixar algo de mim ao mundo”: desta ideia nasceu Ana Frango Elétrico, nome artístico de Ana Faria Fainguelernt, que enriquece a discografia com mais um álbum: Me Chama de Gato Que Eu Sou Sua. Matilde Inês esteve à conversa com a artista, na BOTA (Base Organizada da Toca das Artes), para conhecer o novo projeto de Ana Frango Elétrico.
Começou a carreira aos dezasseis e em 2018 lançou o primeiro álbum de estúdio Mormaço Queima. “No meu começo, eu não queria ser música. Não tinha interesse, pelo contrário, eu acho que o meu primeiro álbum é um anti-álbum, uma coisa de anti-cantora, um anti-indústria”, contou a jovem artista.
“Para o segundo disco, acho que o que muda é o meu desejo de entender a música. Little Electric Chicken Heart, um álbum onde podemos beber várias vertentes artísticas, como os poemas de Ana, a composição musical e a fotografia, foi lançado em 2019. No ano seguinte, o disco foi nomeado para o Grammy Latino na categoria Melhor Álbum de Rock ou Música Alternativa em Língua Portuguesa.
Desta vez, Ana Frango Elétrico traz-nos, como a própria define, uma nova “estética” musical. Me Chama de Gato Que Eu Sou Sua, um trabalho em parceria com a editora discográfica internacional Mr Bongo, é composto por dez faixas, que soam entre o jazz, a bossa-nova e o boogie. Tim Maia, Cassiano, Marcos Valle, Prince, Kurt Mayfield, Earth, Wind and Fire, Everything but the Girl e Tyler The Creator são algumas das inspirações de Ana Frango Elétrico, numa junção “meio esquizofrénica”, diz a artista.
É um disco, na sua estrutura, focado na musicalidade, na engenharia do som e na aprimoração da voz. No entanto, é um trabalho também sobre confusão. “Por mais que a frase ‘me chama de gata que eu sou sua’ seja meio exclamativa, é sobre uma interrogação.
Não quero chegar a ponto nenhum. Este disco é sobre experiência, sobre processo”, explicou Fainguelernt, uma vez que, enquanto as faixas foram produzidas com detalhe e pesquisa, o disco continua a ter uma propósito oposto à estrutura.
Estética Queer
“No Brasil ainda não entenderam os conceitos de queer e não binário, por isso passei a delimitar muito com a minha identidade, porque tem a ver comigo, para as pessoas assim entenderem. Mas não é só sobre isso. É um álbum queer, que conecta o amor e a identidade”, avançou. Esta definição é clara quando ouvimos frases como: ‘Seu cheiro me lembra meu lado feminino / / Mas hoje sou mеnino’, nas quais encontramos a confusão e a complexidade de um amor queer, em que, por vezes, a identidade de um corpo choca com o amor do outro. Através das dez faixas do álbum, percebemos que o disco fala de um amor sexual, atrevido e romântico, que Ana Frango Elétrico procura normalizar, com um toque até pessoal e íntimo.
Nas palavras da artista, o disco, para além de uma reflexão pessoal, foi uma oportunidade de poder falar livremente sobre o mundo queer. “Acho que falar sobre a perspetiva queer é importante numa indústria que não tem aprofundamento estético sobre essas pessoas. Numa era em que eu consigo ter controle do meu trabalho estético, eu consigo ter controle do que eu quero. Este disco pode ser uma contribuição, talvez pela minha visão, para a indústria musical”, revelou.
Agora o tigre está fora da jaula
Me Chama de Gato Que Eu Sou Sua foi o projeto de longa-duração mais trabalhoso e emocionalmente desgastante que Ana Frango Elétrico desenvolveu: “Teve um momento do álbum que eu não conseguia mais trabalhar, porque ficou inviável, de tanto que eu já tinha dado de tudo, de tanto que era pessoal… quando deu ruim em questões pessoais, eu não consegui ouvir. Sabe, então assim, acho que eu nunca mais me envolveria dessa maneira”, concluiu.
Este é um álbum que pode ser ouvido “do jeito que você quiser: em casa, na rua, malhando, dançando”. No entanto, como sugestão, Ana Frango Elétrico garantiu que gostava que o mesmo fosse ouvido com companhia… Tal como vai acontecer em Coimbra, no Salão Brazil JACC, a 1 de novembro, e em Lisboa, no Festival Jameson Urban Routes, MusicBox, no dia 2 de novembro.
[Ana Frango Elétrico é uma artista musical brasileira, tendo o concentrado das citações sido transcrito e mantido com os termos e, em determinados casos, a grafia do português do Brasil.]
Entrevista realizada por Matilde Inês.
Adorei o artigo! Achei muito interessante e inovador a forma como foi abordada a estética queer presente na música da artista!